O Summit Mobilidade 2023 contou também com o painel Desafios da Mobilidade: fornecimento na pós-pandemia. A discussão foi mediada pelo jornalista Maurício Oliveira e teve como convidados: Joubert Flores, presidente do conselho da ANPTrilhos, Marcio Hannas, presidente da CCR Mobilidade, e Pierre-Emmanuel Bercaire, diretor-geral da Alstom Brasil. Os participantes debateram a dificuldade que o setor de transporte sobre trilhos do Brasil enfrenta, historicamente, mas principalmente após a pandemia de covid-19.
Desafios pós-pandemia
Marcio Hannas, da CCR Mobilidade, que opera algumas das maiores linhas férreas do Brasil, ofereceu um panorama sobre o setor. Segundo ele, o serviço férreo é custeado quase exclusivamente pelo preço das passagens. Durante a pandemia, o número de passageiros chegou a ser 20% do que era em algumas linhas. Com isso, novos investimentos e manutenções não emergenciais tiveram que ser freadas.
Após a pandemia, a demanda voltou a crescer e os operadores precisaram agir rapidamente para garantir a qualidade do serviço. Infelizmente, esse movimento foi mundial e o crescimento da demanda por peças pressionou os polos produtores, gerando um gargalo logístico e atraso de entrega de peças. Hannas afirmou que a CCR chegou a ter peças fundamentais (como trilhos) entregues com mais de 15 meses de atraso.
Pierre-Emmanuel Bercaire ofereceu alguns insights sobre como driblar os efeitos da crise logística, causada pela pandemia e também pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. De acordo com ele, os patamares de preço de transporte nunca estiveram em um teto tão alto como estão atualmente. Bercaire preside a Alstom, fabricante francesa de trens e peças que está no País há quase 70 anos. Para ele, o local é fundamental em um mundo globalizado.
A empresa cria laços em cada região onde atua e cria uma rede capaz de enfrentar os problemas de demanda, ao investir no desenvolvimento industrial local. Assim, a Alstom está conseguindo superar as dificuldades e cumprir acordos produtivos, inclusive, exportando trens produzidos no Brasil para a Europa e Ásia.
Falta de investimento e políticas públicas para o setor ferroviário
O que todos os debatedores concordaram é que o Brasil ainda peca muito pelo pouco uso do modal ferroviário. Os trens, que já chegaram a ser o maior meio de transporte do País, foram preteridos pelos carros e caminhões a partir da década de 1950, e o número de redes ferroviárias caiu significativamente.
Joubert Flores, presidente do conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), trouxe dados relevantes sobre o setor. Atualmente, atuam no País 21 sistemas, geridos por 16 operadoras, metade privada e metade pública. No total, são apenas 1.129 km de trilhos urbanos em operação no Brasil. Para Flores, a rede é extremamente insuficiente para um País com mais de 27 regiões metropolitanas, com mais de um milhão de habitantes e outras 15 cidades com mais de um milhão de pessoas.
A ANPTrilhos estima que antes da pandemia eram transportados 11 milhões de passageiros por trilhos por dia no Brasil. No auge da pandemia, o número chegou a 2 milhões de pessoas e, atualmente, possui cerca de 7,8 milhões de passageiros. Este movimento mostrou como o modelo de custeio do serviço financiado majoritariamente pelo preço das tarifas não funciona. A perda estimada de receita no período foi de R$ 22 bilhões, que afetarão toda a cadeia férrea no Brasil.
Transporte sobre trilhos e sustentabilidade
Os participantes também concordaram em relação a necessidade do governo realizar um planejamento a longo prazo no setor, além do incentivo no uso de transportes coletivos ao invés do transporte individual. O modal ferroviário é altamente sustentável e pouco nocivo ao meio ambiente. Os trens e metrôs podem transportar centenas e até milhares de passageiros, podendo ser completamente elétricos e gerando menos poluição sonora e do ar do que veículos a combustão.
Márcio Hannas ressaltou a importância dos planos de longo prazo, que perpassem governos específicos. Segundo ele, para a iniciativa privada é fundamental que planos e financiamentos começados em um governo não sejam paralisados por razões políticas no mandato subsequente.
A operação de novas linhas e um renascimento do modal ferroviário no Brasil podem ser um caminho para uma mobilidade urbana e entre cidades mais sustentáveis. Esta é uma operação fundamental para que o Brasil supere a dependência do transporte baseado em veículos de motores a combustão.
Como Pierre-Emmanuel Bercaire disse em suas considerações finais, o Brasil tem competências, tem operadores que sabem transportar pessoas, tem indústrias capazes de produzir e tem a necessidade de desenvolver este modal. É preciso, portanto, que os cidadãos e a sociedade civil organizada pressione os mandatários e aponte para as soluções que o transporte ferroviário pode trazer para o País.