Nesta quinta-feira (20), o Estadão Summit Mobilidade 2021 deu sequência aos debates dos principais desafios da área à luz da sustentabilidade. O que tem mudado nos deslocamentos das cidades? E o que ainda não mudou, mas é necessário que se transforme? Veja como foram as discussões.
Apresentação de caso: mobilidade em Fortaleza
Fortaleza (CE) é uma referência quando se fala em bicicleta. A capital cearense tem se destacado nos últimos anos como um dos principais modelos em mobilidade ativa, e o prefeito da cidade, José Sarto, iniciou a manhã apresentando dados interessantes. Como também é médico, ele entende que políticas de mobilidade são fundamentais para a saúde pública.
Segundo relatórios, o número de mortes em acidentes caiu 52% apesar do crescimento da cidade. A receita do sucesso é a criação de áreas calmas, binários, faixas exclusivas para ônibus e, é claro, o incentivo às bicicletas. Só durante a pandemia, o município criou mais de 70 quilômetros de ciclovias. Agora, a capital conta com mais de 400 quilômetros delas.
Sarto lembrou que as cidades foram criadas originalmente com foco nos pedestres, mas que isso se inverteu com o tempo, sobretudo após a Revolução Industrial. Para ele, é preciso retomar a prioridade da estrutura urbana e fomentar espaços para a mobilidade ativa, o que inclui pedestres e ciclistas. Um exemplo que vem de lá são as quase 200 estações do projeto Bicicletar, conectado à rede de transporte coletivo e de uso gratuito.
Painel Mobilidade e Sustentabilidade
Mobilidade como direito
O evento seguiu com o painel “Mobilidade e Sustentabilidade”, do qual a primeira convidada foi a pesquisadora Ana Carolina Nunes, que é ativista da organização Cidadeapé. Segundo ela, a capital paulista apresenta números assustadores de mortes no trânsito, sobretudo de pedestres e motociclistas. Isso é inaceitável porque se locomover com direito à vida é um direito do cidadão.
Ainda na visão da especialista, até os Estados Unidos, cujo modelo urbano é fortemente marcado por veículos particulares, têm investido em transporte coletivo e infraestrutura para mobilidade ativa. O Green New Deal proposto pelo presidente Joe Biden prevê essa transformação para alavancar a economia.
No Brasil, o problema se intensifica conforme a estrutura viária se afasta do centro das cidades. Por questões econômicas, deixa-se de ter políticas capazes de garantir a vida, gerar coesão social e aumentar a segurança. O investimento em mobilidade segura é, portanto, estratégico.
Perda de oportunidades para o País
Na sequência, Iêda de Oliveira, diretora da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) e diretora-executiva da Eletra, destacou o trólebus como fonte de energia limpa e possível solução para a mobilidade urbana sustentável. Ao abordar a atual situação dos veículos elétricos, argumentou que faltam políticas públicas capazes de efetivar a previsão legislativa e estimular a indústria nacional.
Já existe uma cadeia produtiva com empresas líderes do setor elétrico, como Weg e BRD, mas isso não avança por falta de uma política que induza o setor. Para a diretora, uma saída seria condicionar o contrato de concessão do transporte coletivo a metas de redução de emissão de poluentes e linhas de financiamento para que as empresas operadoras pudesse mudar o modal.
Bicicleta ainda precisa vencer resistências
Tomás Martins, CEO da Tembici e embaixador do caderno “Mobilidade”, do Estadão, comentou que não faltam informações para construir novos cenários, e sim vontade política. E isso é mais necessário do que nunca. Segundo ele, um estudo do Mackenzie verificou que a maior parte dos deslocamentos nas cidades é de até 5 quilômetros ou 7 quilômetros, e os carros só levam 1,2 pessoa por vez. Daí a importância dos micromodais.
As conhecidas bicicletas laranjas fazem parte das atividades da empresa fundada por Martins, em iniciativas que ajudam a reequilibrar o espaço urbano: 80% da estrutura viária são dedicados ao carro, mas apenas 30% dos deslocamentos cotidianos são feitos de carro.
Para o empreendedor, a cultura do carro resiste por diversas razões, sejam econômicas, sejam comportamentais, mas em médio e longo prazos é possível visualizar mudanças, afinal há demanda por essas soluções. As estações de bicicletas elétricas mais usadas da Tembici são a de Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e do Largo da Batata, em São Paulo, por exemplo. Segundo Martins, as pessoas usam o transporte público e aderem à bike para completar o deslocamento.
A cidade precisa olhar para sua desigualdade
Cleo Manhas, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), concordou com a dificuldade apresentada pelos demais debatedores e lembrou que a Política Nacional de Mobilidade Urbana tem quase dez anos e pouco saiu do papel. Por isso, é urgente hierarquizar modais e pessoas na cidade no sentido contrário ao que ocorre hoje, colocando no topo pedestres, modais ativos, transporte coletivo e só depois veículos particulares.
É preciso focar a desigualdade que constitui as cidades. A mobilidade urbana está baseada nisso, e segundo estudos do instituto há dinheiro disponível para mudar a realidade: são gastos cerca de R$ 60 bilhões ao ano em subsídio de combustíveis fósseis, ao passo que a tarifa zero para o transporte coletivo custaria R$ 65 bilhões anuais.
Manhas comentou também que a pandemia mudou a vida de quem pode ficar em casa, mas aqueles que precisam se aglomerar nos transportes coletivos precarizados permanecem sob o mesmo horizonte. Assim, deve-se ter orçamento público, priorização da política da bicicleta e extensão dessa estrutura até a periferia.
Websérie apresenta Grilo Mobilidade
Que tal trocar o carro por um triciclo elétrico compacto, seguro e autorizado pelo Departamento Nacional de Trânsito? E o melhor: com o uso liberado na palma da mão.
Essa é a proposta da Grilo Mobilidade, apresentada no quarto episódio da websérie Vozes da Mobilidade. Presente em sete capitais brasileiras, o serviço contratado por app faz deslocamentos em até 50 quilômetros por hora e se encaixa perfeitamente na necessidade da micromobilidade urbana, sobretudo nos percursos de última milha, facilitando a integração de modais.