No início de março deste ano, Cuenca, a terceira maior cidade equatoriana, decidiu tomar uma medida ousada: abaixar o preço da tarifa do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) para US$ 0,35 — algo próximo a R$ 2, mesmo com o dólar valorizado em relação à moeda brasileira. A mudança implicou um subsídio estatal de quase 60%.
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O valor da tarifa corresponde a apenas 0,08% do salário mínimo nacional, estabelecido também em dólares em um patamar próximo a US$ 437,50. O valor é bastante diferente da realidade brasileira, cujo salário mínimo é de R$ 1.045,00 (US$ 193, na cotação atual) e uma tarifa de R$ 4 corresponde a 0,38% deste valor — quase cinco vezes mais do que a tarifa adotada em Cuenca.
Também em termos comparativos, o valor da tarifa de Cuenca é quase metade do valor cobrado para circulação no VLT carioca, cuja tarifa estabelecida é de R$ 3,80.
Além disso, a cidade equatoriana adotou políticas de subsídio que são ainda maiores para quem usa o transporte coletivo com frequência, de forma a estimular a mudança de hábitos de mobilidade centrados no carro particular. Para usuários frequentes, a tarifa será de US$ 0,30. Estudantes, idosos e pessoas com deficiência pagarão apenas metade do valor de US$ 0,35.
O sistema de VLT é novo na cidade e, para que a população se habitue a esse modal mais silencioso, barato e menos poluente do que os ônibus movidos a diesel, os veículos leves sobre trilho funcionaram entre janeiro e fevereiro de forma gratuita ao longo dos mais de 20 quilômetros que compõem a rota dos trilhos.
À frente, um brasileiro
A transformação gerada na vida urbana de Cuenca, que alia modernidade a baixo impacto ambiental, é dirigida por um brasileiro. Formado pela Universidade de São Paulo (USP) e com mestrado na área de mobilidade urbana pela Universidade Politécnica da Catalunha, localizada em Barcelona, o engenheiro civil Guilherme Chalhoub Dourado decidiu acompanhar sua esposa, que é natural de Cuenca e desejava voltar à cidade.
A mudança de Dourado coincidiu com o desejo político de tornar a cidade referência em mobilidade com a implantação do VLT. O prefeito recém-eleito, Pedro Palacios, pretendia construir uma cidade mais amigável para a mobilidade ativa e reduzir o trânsito de carros na cidade, fechando quarteirões inteiros para pedestres e ciclistas.
Isso é desafiador, sobretudo, por dois fatores. O primeiro é que o combustível no Equador é muito barato. Com US$ 20 (menos de 5% do salário mínimo nacional), abastece-se o carro para o mês inteiro, e boa parte dos veículos são a diesel, apresentando preço muito menor, embora sejam poluentes.
O segundo é que o poder aquisitivo da população é relativamente bom — essa é a cidade com menor desigualdade socioeconômica do Equador — e, tal como em outros lugares, quem possui condições de ter carro costuma fazer isso, mesmo que seja mais por status do que por funcionalidade. Por isso, as políticas de indução a novos modais precisam ser mais ousadas para fomentar o desejo de mudar hábitos.
A boa notícia é que as mudanças começaram com um impacto positivo. O VLT tem sido um sucesso, e o uso da bicicleta, que era praticamente nulo até o início da pandemia, já chega a 8% dos deslocamentos na cidade.
Fonte: Mobilize
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