Setor enfrenta crise na renovação de motoristas; baixos salários e falta de recursos para investir em veículo próprio afastam novas gerações
Por Isabel Lima – editada por Mariana Collini em 17/04/2025
“É um movimento irreversível.” É dessa forma que Maurício Lima, sócio-diretor do ILOS, consultoria especializada em logística e supply chain, define a dificuldade de atrair jovens atualmente para trabalhar com motoristas de caminhão no Brasil. Em 2024, a quantidade de condutores com até 30 anos de idade ficou em 4,11%, frente aos 11,05% com mais de 70 anos. Para Lima, esse cenário não é novidade, pois o setor sabe há décadas que será cada vez mais complicado renovar esses profissionais, ainda mais no modelo brasileiro de contratação de autônomos.
Embora a situação seja desafiadora, Maurício acredita que há formas de driblar alguns fatores para não faltar motoristas no País. Conforme a pesquisa do NTC&Logística, realizada em janeiro deste ano, 93% dos empresários do ramo entrevistados apresentam dificuldade para contratar novos motoristas. Desses, 35% confessaram ter muita dificuldade.
Na última década, a pesquisa da ILOS identificou que, de 2014 a 2024, o Brasil viu a quantidade de motoristas cair 20%. Em 2014, existiam 5,5 milhões de condutores de caminhão no País. Já em 2024, apenas 4,4 milhões continuam em atividade. Segundo Lima, quem é motorista não larga a profissão, portanto, o grande problema não é a saída dessas pessoas para outros setores, mas sim atração de novos talentos.
O fim dos motoristas de caminhão autônomos?
No Brasil, a presença de motoristas de caminhão autônomos dominou o mercado desde o início das atividades no País. Conforme Maurício, o perfil desses motoristas que iniciam a 20 anos atrás convergiu para a descentralização do transporte rodoviário. Isso porque, modo geral, os homens perdiam seus empregos na indústria, sacavam o fundo de garantia e investiam em um caminhão.
Com o tempo, alguns enriqueciam e criavam suas próprias empresas. Entretanto, esse cenário deixou de existir. “Esse investimento era muito grande, mas era factível. Hoje em dia, o fundo de garantia não é tão bom e o caminhão ficou muito mais caro”, explica o sócio-diretor da ILOS.
Além disso, Lima explica que esses motoristas que iniciaram há algumas décadas tinham menos visão empresarial. Ou seja, não contabilizavam se os valores recebidos eram compatíveis com os investimentos realizados. Como resultado pela baixa remuneração, a frota dos autônomos foi envelhecendo, sem possibilidade de um novo investimento.
Enquanto ainda era possível comprar novos caminhões e trazer familiares para o ramo, esses motoristas o fizeram. Mas, com as sucessivas crises, eles reduziram a frota e voltaram a trabalhar de forma autônoma.
Atualmente, a pesquisa da ILOS revelou que a média de caminhões por autônomo é de um veículo. Enquanto isso, as empresas apresentam uma média de 4,2 caminhões. Enquanto a idade da frota dos autônomos é de 22,8 anos, a das empresas é de 9,5. De modo geral, no Brasil, a média é de 14,6 anos.
Portanto, Mauricio acredita que o modelo de contratação dos motoristas de caminhão deve mudar.
Empresas de transporte devem virar a chave
Apesar da quantidade de transportadoras ser considerada grande no Brasil, em torno de 201 mil, elas ainda dependem dos motoristas autônomos. “O que está acontecendo de uma forma lenta, mas constante, é que cada vez mais as empresas não tem tanta oferta de autônomo, aí elas têm que ir para um modelo diferente”, explica Lima.
Por isso, as empresas passaram a investir na frota e profissionalização desses profissionais. Enquanto a produtividade ficava em segundo plano quando os autônomos estavam em movimento crescente, agora ela passa a ser fator principal. Por se tratar de empresas, o rendimento é indispensável. Portanto, essa dinâmica de trabalho deve mudar.
“Quando a empresa faz investimento no ativo, essa cobrança por produtividade é muito maior e com isso você tende a ter também um aumento do valor de frete”, diz Lima. Porém, o valor dos salários é pouco atrativo. “Não pelo valor absoluto dela, mas também por essa questão de é uma jornada diferente”, explica o diretor.
Hoje em dia, ele entende que a questão da segurança e a distância da família tornam a profissão ainda menos interessante para os jovens. Para não sofrer com a falta de mão de obra, as empresas têm apostado em outros públicos, como as mulheres, conta Lima.
Além disso, ele enxerga que há um movimento de contratar pessoas sem experiência e treiná-las e utilizar o Sistema S, como Senai, Sesc, entre outras. Somado a isso, ele acredita que a dinâmica vai se aproximar da dos motoristas de ônibus. Quanto enfrentam longas distâncias, há uma troca de profissionais para encarar toda a viagem.
Caminhões autônomos vão tirar empregos?
“Possivelmente a gente vai ter caminhão autônomo, mas antes de ter o caminhão autônomo, a gente vai ter um problema de escassez de motorista”, opina Lima. Para ele, o cenário de caminhões sem condutores é uma realidade mais distante para o Brasil. Isso pela falta de infraestrutura adequada, que também acaba por afastar novos motoristas que não enxergam a ocupação como algo seguro e rentável.
Em países mais desenvolvidos, Maurício pontua que as distâncias costumam ser menores. Já que os longos trajetos são feitos pelo transporte ferroviário. No Brasil, esse modal tem pouco investimento e participação no setor de transportes.
Para Maurício, o crescimento tanto do transporte ferroviário como hidroviário seria bastante positivo para o setor rodoviário. Em distâncias menores, há menos desgaste físico, menos incertezas e permite que os motoristas voltem para casa semanalmente. Além de oferecer qualidade de vida, reduz emissões de poluentes, outra pauta importante para o setor.
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