Biocombustíveis, veículos elétricos, bicicletas, mobilidade ativa, modais coletivos: esses termos fazem parte do vocabulário de quem se preocupa com uma mobilidade urbana sustentável. Diante dos limites do modelo de transporte atual, não é difícil concluir que outra resposta é necessária.
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Mas qual é a origem desse movimento? O que há por trás dessas preocupações? Em que sentido esses conceitos apontam?
O Estadão Summit Mobilidade preparou uma matéria que recupera o que há de mais importante sobre o assunto. Confira.
Um histórico da mobilidade urbana sustentável
No Brasil, a década de 1970 foi marcada pelo início do êxodo rural. Milhões de pessoas deixaram o campo e passaram a viver em grandes cidades. Junto a elas, chegou às metrópoles uma série de desafios relacionados à mobilidade urbana sustentável.
Não houve planejamento prévio suficiente para preparar as cidades ao problemas relacionados a resíduos, saneamento básico, tratamento de água, habitação, moradia e tantos outros.
O meio ambiente passou a ser afetado de forma inédita diante de um novo modelo de vida, e o colapso chegou rápido. São exemplos disso a tragédia de Cubatão em 1980 — quando um vazamento de petróleo causou um incêndio que matou centenas de pessoas — e a contaminação por Césio, em Goiás, em 1987.
Em comum, esses casos ilustram o que pode ocorrer quando as cidades crescem de forma desenfreada, com uma lógica predatória diante da natureza, e não é dimensionada corretamente a demanda por energia e outros recursos que alimentam o modo de vida contemporâneo.
O desenvolvimento desse novo mundo, muito mais urbano e com necessidades mais plurais e complexas, passou a exigir mais cuidados ambientais do que nunca.
A mobilidade se torna chave para a sustentabilidade
Não é difícil entender por que a preocupação ambiental chegou à década de 1990 com força total. Esses anos tiveram o aspecto ecológico como um marco bastante característico, sobretudo a partir de 1992, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) incluiu o tema na agenda global.
Desde então, a ideia de que as ações urbanas precisam ser sustentáveis permeiam o setor, e isso não se resume apenas a criar áreas verdes e coleta seletiva de lixo. Trata-se também de reconhecer que as questões urbanas precisam ser analisadas do ponto de vista multissetorial.
Se falta creche em um bairro, por exemplo, não se trata apenas de um problema educacional, sendo também um problema de emprego para os pais que não têm onde deixar os filhos, além de financeiro e de mobilidade para quem precisa acessar creches distantes, bem como de moradia para os bairros que receberão mais moradores que desejam acesso a creche e assim por diante.
Isso implica, inclusive, em um conceito de sustentabilidade ampliado também às esferas econômica e social. Afinal, é fato que todos os cidadãos precisam acessar equipamentos e serviços na cidade onde vivem e isso provoca deslocamento no espaço urbano. Portanto, do pãozinho comprado na padaria até a ida ao trabalho ou à faculdade, todos fazem uso de formas de mobilidade, com maior ou menor qualidade.
Em outro exemplo, se uma pessoa mora na periferia e trabalha no centro da cidade, a sua mobilidade causa um impacto diário em diversos sentidos: ambiental, financeiro, de tempo, de saúde, de trânsito etc. Ao multiplicar isso por centenas de milhares ou mesmo milhões de pessoas, percebe-se como as políticas do setor são relevantes.
Quanto mais eficazes forem as políticas de saúde, educação, trabalho, moradia e demais áreas, mais sustentáveis tendem a ser as formas de mobilidade urbana.
Porém, como se trata de um arranjo difícil, é fundamental que haja esforços diretos para criar políticas de mobilidade urbana sustentável nas grandes cidades, seja em relação a modais, fontes de energia e acesso, seja outras variáveis.
Passos para a mobilidade urbana sustentável
1. Estimular modais alternativos ao carro particular
A estrutura urbana de transporte é hegemonicamente pensada para o carro individual: embora quem use essa forma de deslocamento corresponda a cerca de 20% da população, 80% do espaço viário público é voltado a quem dirige. Por isso, é necessário apostar em novos modais.
Isso passa por fortalecer o transporte coletivo, reduzindo o número de carros nas ruas, e adotar a mobilidade ativa sempre que possível, como caminhar e pedalar.
O ano de 2020 trouxe uma série de exemplos que podem ficar mesmo depois da pandemia: ciclovias temporárias, abertura de ruas para pedestres e isenção fiscal para compra de bicicletas são alguns deles.
2. Optar por fontes energéticas renováveis
Outro drama clássico relacionado ao carro se refere à queima de combustíveis fósseis. Há impacto ao meio ambiente mesmo no caso do álcool e de outras formas de biodiesel, mas isso é especialmente grave no caso de derivados de carbono.
Em Estocolmo, por exemplo, já há tecnologia disponível para beneficiar o lixo doméstico e usar o metano emitido pelos resíduos para mover os ônibus do transporte coletivo da capital sueca. Trata-se de um biodiesel que usa um problema ambiental para criar soluções de mobilidade urbana sustentável.
Mas há duas principais tendências nesse eixo. Primeiramente, os veículos elétricos prometem substituir a frota de veículos com motor a combustão nas próximas décadas; tudo indica que não se trata de “se”, mas de “quando”. Em segundo lugar, isso precisa ser balanceado com a questão dos modais coletivos; afinal, também há impacto ambiental na energia elétrica, quase toda oriunda de hidrelétricas. Por isso, tanto quanto ter fontes energéticas mais interessantes, isso precisa ser conciliado com matrizes de locomoção coletivas.
3. Ter foco na experiência do cidadão
Para convencer quem dirige a deixar o carro na garagem, é necessário oferecer alternativas de transporte coletivo que sejam competitivas. Nesse sentido, as melhores soluções são aquelas capazes de concorrer com a experiência de conforto, segurança e rapidez do carro.
- Integração de modais: por que optar por apenas uma forma de ir para o trabalho? Em vez de ir de carro, ônibus ou bicicleta, é possível montar o trajeto de forma mais plural.
Não seria ótimo se houvesse BRTs e metrôs com espaço dedicado a quem precisa levar sua bicicleta? Ou ainda que você usasse o carro apenas no trecho que é imprescindível e depois ele ficasse estacionado, esperando você retornar de ônibus até ele? - Transporte coletivo sob demanda: esse modelo de transporte é uma síntese do transporte coletivo comum com a qualidade do compartilhamento de caronas de empresas como a 99.
A empresa que administra o transporte disponibiliza alguns micro-ônibus com Wi-Fi e ar-condicionado, que circulam pela cidade sem trajeto fixo. Eles atendem a pedidos programados por um app, pegando e deixando os passageiros muito próximo dos trajetos desejados. - Transporte até a última milha: trata-se da ideia de que, ao oferecer serviços, não se deve pensar do ponto de vista da empresa, mas do usuário. O trajeto oferecido precisa contemplar a necessidade de quem usa.
Se a melhor forma de pensar em um trajeto for unir metrô, ônibus e um veículo de carona compartilhada, por que as empresas não garantem isso? Esse movimento tende a formar consórcios de serviços para entregar a melhor experiência em mobilidade. - Cidade de 15 minutos: esse conceito vai ao encontro da rapidez no transporte diário e na diminuição do fluxo nas grandes cidades. Em vez de atravessar a cidade, a ideia é que se consiga resolver todas as principais demandas próximo de onde se estiver — a no máximo 15 minutos de distância — um ótimo convite para a mobilidade ativa.
- Criação de infraestrutura de mobilidade sustentável: trata-se da criação de suporte para que os cidadãos possam tomar a decisão de mudar de hábitos. Criar ciclovias seguras e bem sinalizadas é um exemplo, pois, com isso, é mais provável que os cidadãos se disponham a usá-las. Ou ainda: caso haja uma estrutura de compartilhamento de bicicletas, isso pode fazer mais pessoas se habituarem a pedalar.
4. Considerar conflitos no planejamento urbano
O espaço urbano é disputado por diferentes atores, com opiniões e interesses distintos. Ao se destinar uma faixa viária para ônibus ou bicicletas, por exemplo, acaba-se por restringir o fluxo de veículos particulares. Certamente, quem dirige e pedala ou usa ônibus experimentará essa medida de forma diversa.
Esse cenário se torna ainda mais complexo quando são considerados os interesses de corporações e outros atores mais relevantes. Se o dono de uma empresa de ônibus doa recursos para a campanha de um prefeito (o que é comum), a autonomia desse agente fica em xeque diante da pressão empresarial pelo aumento da tarifa, por exemplo.
Por isso, a tomada de decisão no campo da mobilidade deve ser considerada em seu terreno real, em que há relações de poder e movimentação política para que a definição das políticas públicas se aproxime da agenda desejada por cada grupo social.
5. Envolver a sociedade civil no processo de planejamento
A melhor forma de lidar com a complexidade de tantas vozes passa justamente por reconhecê-las. Por isso, é fundamental que o Estado esteja próximo da sociedade civil ao planejar, executar e controlar as políticas da área da mobilidade.
Um exemplo de como isso pode ocorrer é a criação de um Conselho Municipal de Mobilidade Urbana. Esse espaço pode ser composto com entidades de diferentes segmentos, a exemplo de empresas de transporte coletivo, associações de moradores, sindicatos, ONGs com trabalho ambiental, grupos de ciclistas, movimentos ligados aos direitos de pessoas com deficiência etc.
Assim, garante-se que os diferentes interesses urbanos estejam representados e que as medidas adotadas em torno das políticas de mobilidade se aproximem da demanda real da cidade, atendendo às necessidades imediatas e considerando um planejamento de longo prazo para o setor.
Fonte: Estadão Summit Mobilidade Urbana.
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