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Direito à cidade: o que é desigualdade socioespacial?

View of Morro do Papagaio at Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

O direito à cidade envolve o uso de bens e serviços variados, como terra urbana, moradia, saneamento ambiental, infraestrutura, trabalho, lazer, transporte e serviços públicos. No entanto, a grande parte dos brasileiros que mora em grandes centros urbanos não tem acesso a essas condições básicas, refletindo um processo de desigualdade socioespacial.

Mas o que é desigualdade socioespacial?

Ao produzir as dinâmicas espaciais urbanas, a cidade reproduz as características da sociedade, projetando no território um complexo conjunto de relações e estratégias próprias do modo de vida.

Dessa maneira, as desigualdades socioespaciais se constroem e se transformam nas cidades, em conexão com a própria história e, principalmente, com ações políticas de relevância para a habitação, o urbanismo e a mobilidade urbana.

A distribuição espacial das funções e populações urbanas não é aleatória e pode evidenciar importantes dinâmicas de separação. As sociedades urbanas apresentam múltiplas desigualdades que representam disfunções sociais e territoriais, com isso gerando as diferenças no acesso ao emprego, na qualidade da habitação e na integração territorial entre as cidades.

As desigualdades socioespaciais são aparentes na paisagem urbana brasileira. Por um lado, há uma disseminação de condomínios residenciais de luxo; enquanto, do outro, existe um crescimento de bairros pobres, com moradias em favelas ou loteamentos clandestinos de pouca ou nenhuma infraestrutura.

Distribuição desigual

As oportunidades de emprego e o acesso a serviços, como transporte público, costumam ficar concentrados em algumas das regiões da cidade. Estas, pelo uso do espaço urbano, são acessíveis apenas às camadas mais ricas da população. Com isso, os mais pobres são empurrados para locais mais periféricos e menos valorizados.

Nessas periferias, populações, muitas vezes, se organizam por conta própria, inclusive em terrenos ocupados e sem um título jurídico. Entretanto, tais áreas, não raro, ficam carentes de serviços básicos, como água, saneamento, serviços de educação e de saúde. Dessa forma, a ausência do Estado pode aprofundar as contradições do processo de urbanização excludente.

Nesse contexto, a mobilidade urbana tem um papel com efeito duplo. Ao mesmo tempo que a oferta de transporte público pode facilitar o acesso à cidade também pode dificultar os deslocamentos, com extensas jornadas em viagens superlotadas, comprometendo o chamado direito à cidade.

O que é o direito à cidade?

O transporte público de massa pode ajudar no acesso à cidade, mas também reproduz as desigualdades da sociedade. (Fonte: Shutterstock/TeleProstir Studio/Reprodução)

O direito à cidade é muito mais do que a liberdade individual de acessar os recursos urbanos, sendo uma possibilidade também de fazer mudanças na cidade. Além disso, é um direito coletivo e não individual, pois a transformação depende de mobilização para reformular os processos de urbanização.

O conceito original foi desenvolvido no livro Le Droit à la Ville, escrito pelo sociólogo francês Henri Lefebvre em 1968. Para o autor, o direito à cidade é um direito de não exclusão das qualidades e benefícios da vida urbana.

Na obra, Lefebvre descreveu o processo de segregação socioeconômica e seu fenômeno de afastamento. O autor identifica pessoas que foram forçadas a viver em guetos residenciais, longe do centro da cidade. Diante disso, defende o direito à cidade como uma recuperação coletiva do espaço urbano por grupos marginalizados que vivem nos distritos periféricos do município.

O conceito foi introduzido na legislação brasileira dentro do Estatuto da Cidade de 2001. A lei reforçou a importância dos planos diretores como principal instrumento de efetivação do direito à cidade e criou diversos institutos jurídicos e políticos, visando combater processos promotores das desigualdades urbanas, como parcelamento, edificação e utilização de compulsórios.

Crise habitacional

Crise da habitação estimula a formação de favelas. (Fonte: Shutterstock/ErenMotion/Reprodução)

O Brasil apresenta um déficit habitacional de 5,876 milhões de moradias, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro relativo a 2019. Nos últimos quatro anos, a carência subiu 3,88%. Os dados incluem os domicílios precários, em coabitação ou com elevado custo de aluguel.

Um dos fatores que influenciam a desigualdade socioespacial é a localização das habitações e dos empregos. A distância entre os dois pontos provoca um desgaste cotidiano no movimento pendular, transformando grandes regiões em cidades-dormitório, desprovidas de serviços públicos e privados.

A falta de moradias disponíveis nos centros de cidades é um fenômeno global, mesmo antes da pandemia. A situação não é provocada por ausência de imóveis vagos na região central, mas fruto de uma estratégia de investimentos baseada na especulação imobiliária e na escassez de políticas públicas de habitação.

Isso acontece porque a unificação dos mercados de moradia e das formas de investimento na produção e na comercialização do solo urbano e do espaço construído tornou o território um ativo financeiro. Com isso, os imóveis vagos perderam a função social de habitação e se tornaram apenas uma forma segura de acumular recursos, fomentando o processo de gentrificação.

O que é gentrificação?

O preço da terra urbana é definido pelas regras de valorização do mercado, em uma lógica de oferta e procura. Assim, a especulação imobiliária gera um fenômeno chamado gentrificação.

Esse processo se refere a um conjunto de melhorias de interesse privado realizado em determinado local, que resulta na expulsão dos moradores menos abastados. A gentrificação é um dos principais fatores que provocam ou tornam mais acentuadas as diferenças socioeconômicas dentro do espaço urbano.

Quanto mais central e provida de serviços uma área, mais valorizada ela se torna, desde o preço e o aluguel de imóveis até produtos e serviços básicos. Com isso, as pessoas mais pobres são forçadas, por questões econômicas, a se mudarem para regiões mais distantes e precárias, enquanto investidores podem rentabilizar lucros.

Esse contexto também apresenta outro problema comum: as áreas centrais recebem mais investimentos para melhorias do que as regiões periféricas, tornando-as mais caras e inacessíveis aos mais pobres. Os bairros ricos da capital paulista, de acordo com levantamento da organização Nossa São Paulo, recebem até quatro vezes mais recursos do que os demais bairros.

O problema persiste mesmo quando o Poder Público consegue estruturar uma política de mobilidade urbana para atender a essas novas áreas. Projetos como expansão do metrô em regiões afastadas, além de ser uma medida de alto custo, provavelmente tornarão o novo local mais caro, criando bolsões de pobreza cada vez mais distantes.

Desigualdade na pandemia

A desigualdade socioespacial ganhou mais evidência durante a pandemia. As medidas preventivas da estratégia para combater a covid-19, como distanciamento social e o home office, entraram em conflito com a organização do espaço urbano e da vida para a maioria da população das grandes cidades.

Uma das estratégias mais eficientes para enfrentar a crise sanitária, ficar em casa, exige uma reserva financeira ou um home office. Portanto, a residência precisa ter espaço adequado e suficiente para a moradia, sendo apenas um local de trânsito entre uma jornada de trabalho e outra. Contudo, essa não é a realidade de grande parte dos brasileiros.

Os trabalhadores essenciais, boa parte deles de baixa renda, precisaram se locomover para que outras pessoas pudessem ficar em isolamento social. De forma geral, não houve uma política pública de enfrentamento à covid-19 que propiciasse melhores condições no transporte coletivo e garantisse uma menor exposição da população ao novo coronavírus.

O transporte público, que já estava em crise, com falta de oferta e superlotação, foi ainda mais atingido. Em várias cidades brasileiras, empresas de ônibus fecharam as portas em um sinal de falência do modelo de concessão e financiamento do modal do sistema de mobilidade urbana.

Como enfrentar a desigualdade socioespacial?

Não existe uma fórmula mágica para o desenvolvimento urbano mais igualitário, mas diversas experiências vêm apresentando resultados que podem ser avaliados e adaptados regionalmente para distribuir o crescimento e reduzir a desigualdade socioespacial.

A expansão dos serviços de mobilidade urbana não é vista com uma solução final. Em vez disso, é indicada a criação de multicentralidades no espaço urbano para ajudar a reduzir a demanda de horas diárias de deslocamento por transporte público, melhorar a qualidade de vida e o acesso à cidade.

Antes de qualquer ação, é necessário que os planejadores urbanos reconheçam a existência do problema e mobilizem a população local para pensar em alternativas de resolução dos problemas sociais. Um caminho indicado é incentivar a formação de conselhos, para que os órgãos públicos possam ouvir a sociedade civil organizada.

As decisões têm de ser tomadas vislumbrando resultados de longo prazo. Propostas de transferência de renda, por exemplo, podem ser vistas como formas de investimento e não somente como políticas assistenciais. O pagamento de benefícios estimula a economia local, produz desenvolvimento desde a base da pirâmide e gera receita em impostos.

Fonte: Fundação José Pinheiro, UFRN, Cebrap, Ipea, Revista Brasileira de Ciências Sociais.

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