Pobres são mais atingidos pelo baixo investimento em mobilidade

27 de agosto de 2020 5 mins. de leitura

A mobilidade urbana reproduz problemas da desigualdade social, como impacto do baixo investimento na manutenção do sistema e em novos modais

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Recentemente, o projeto de construção de um muro no Morumbi, segregando o bairro de Paraisópolis sob a justificativa de reduzir a poluição sonora, trouxe à tona o debate sobre a desigualdade socioespacial

Trata-se da ideia de que em uma cidade pode haver uma série de territórios desiguais entre si, com dinâmicas socioespaciais muito heterogêneas e produtoras de diferentes experiências do que significa viver em um mesmo lugar.

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Entre as razões desse fenômeno estão a falta de planejamento urbano adequado, a precariedade das políticas de moradia e o fato de que a especulação imobiliária torna o solo urbano uma commodity, e não um bem público. 

Por conta desses fatores, as pessoas acessam a cidade de forma desigual a depender de como conseguem pagar por ela; as mais pobres, portanto, são impelidas a residir nas periferias, longe do local de trabalho — que, em geral, fica na região central.

Isso implica uma série de problemas para a população mais pobre. Em primeiro lugar, a ausência de políticas de moradia faz com que as pessoas sejam pressionadas a ocupar residências precárias, com más condições sanitárias, no perímetro que circunda as grandes cidades. 

Além disso, essas regiões costumam apresentar problemas crônicos de acesso a equipamentos de saúde, educação e outras políticas públicas, que perfazem um perfil de vulnerabilidade social.

Contudo, há outro problema sério que vem chamando a atenção de pesquisadores: o impacto do deslocamento de quem vive nas periferias. Esse cenário afeta tanto a cidade quanto a qualidade de vida de quem atravessa longas distâncias diariamente — quadro que se agrava com a precariedade de investimentos na mobilidade urbana e faz com que pessoas pobres sejam mais diretamente impactadas.

Saúde

A exposição a altos índices de CO2 acarreta problemas graves de saúde. (Fonte: Alf Ribeiro / Shutterstock)

O médico patologista Paulo Saldiva, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, elenca uma série de impactos que pessoas submetidas ao trânsito nas grandes cidades podem sofrer, sobretudo se expostas ao transporte coletivo. Além dos carros, há muitos ônibus a diesel na cidade de São Paulo. 

O primeiro grande impacto, portanto, refere-se à poluição. O nível de poluentes presentes nos corredores de tráfego congestionados é muito superior a qualquer outro índice urbano e aumenta o risco de envelhecimento precoce dos pulmões, entre outros fatores. O estresse também é algo a ser levado em conta.

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Além disso, as pessoas que passam muito tempo em transportes coletivos têm a quantidade de sono reduzida, e isso causa depressão, ansiedade e distúrbios derivados da fadiga cerebral. 

A mobilidade ativa seria uma opção interessante; porém, como há pouco investimento em modais mais sustentáveis, diversos trajetos que poderiam ser feitos com bicicletas acabam sendo percorridos de forma motorizada.

Formação e oportunidades profissionais

A superlotação dos vagões de metrô e dos ônibus pode tornar esse período improdutivo. (Fonte: Tacio Philip Sansonovski / Shutterstock)

Outro impacto relevante para quem depende de transporte coletivo é o custo de oportunidade do tempo despendido nos trajetos. Embora esse possa ser um tempo dedicado a leituras, a qualidade do transporte costuma impedir a produtividade.

Isso impacta diretamente a capacidade de formação e as oportunidades que um profissional obtém. Alguém que mora em Guarulhos e estuda no centro da cidade de São Paulo terá dificuldade para conseguir uma vaga de emprego em Osasco, por exemplo. Esse tipo de problema prático reforça um dilema comum: ou se deixa de acessar certo tipo de oportunidade, ou o uso do carro se torna inevitável.

Gentrificação

Vargem Grande Paulista, na Grande São Paulo, é um exemplo de cidade-dormitório. (Fonte: Alf Ribeiro / Shutterstock)

Outro problema se refere à especulação imobiliária, que gera um fenômeno chamado gentrificação: quanto mais central uma área, mais cara ela é — o que tende a mover as pessoas mais pobres para regiões mais acessíveis e, em regra, mais precárias.

Frequentemente, esses locais operam como cidades-dormitório: embora esses cidadãos residam ali, os principais eixos de sua vida se encontram no centro das grandes cidades.

Isso é um problema porque, mesmo que o Poder Público estruture novas políticas de mobilidade — a exemplo da expansão do metrô para regiões mais afastadas (medida com alto custo) —, é provável que essas regiões sofram o mesmo processo e se tornem mais caras, criando bolsões de pobreza cada vez mais distantes. É por isso que, a cada cinco habitantes da Grande São Paulo, apenas um mora perto da estrutura metroviária.

A questão, portanto, ganha complexidade e exige soluções que possam dar conta de uma gama de fatores, para além da mobilidade.

Fonte: Jornal da USP

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