Em um dia de calor, você dedicou a tarde para resolver problemas em vários pontos do centro da cidade. Finalizado o trajeto, decide se sentar para descansar e beber um pouco de água fresca. Consegue imaginar essa situação?
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Para quem vive em grandes cidades, essa cena só seria possível se a pausa fosse em alguma lanchonete. Afinal, provavelmente você estaria distante de algum local público, como uma praça, e, além disso, talvez não houvesse bancos disponíveis para sentar e, definitivamente, não haveria água.
Esse pequeno exercício ilustra a forma como a estrutura das grandes cidades é pouco receptiva à circulação e à permanência das pessoas em espaços comuns. Trata-se de um fenômeno chamado de arquitetura hostil, uma tendência que revela a privatização do território urbano e a forma como se acessa a cidade.
Saiba mais sobre essa forma de disputa sobre o espaço, que pode chegar a níveis assustadores de controle sobre a circulação de pessoas.
A transformação do mundo público em privado
É comum que as casas contenham dispositivos para inibir tentativas de invasão. Assim, muros altos com cerca elétrica ou cacos de vidro funcionam como estratégias para prevenir a entrada de elementos externos no mundo privado.
No entanto, uma observação mais atenta sobre a estrutura das principais cidades do mundo revelam uma tentativa muito semelhante a essa, assim desabitando os espaços públicos de permanência urbana. Em praças, pontos de ônibus e marquises, há barras, espinhos e pontas de ferro para evitar a paragem de cidadãos e o abrigo de sem-tetos, especialmente à noite.
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Desse modo, não só os espaços comuns deixam de permitir que se pare para descansar e se hidratar, como também se coloca em xeque a própria funcionalidade de quem opta por parar certo tempo em um lugar. Em um mundo de circulação incessante de bens e produtos, as cidades têm produzido formas de sociabilidade humana próximas à lógica das mercadorias.
Os mais afetados são aqueles que não possuem qualquer propriedade nem o dinheiro para comprar uma água. A população sem-teto tem crescido nas maiores cidades brasileiras e se vê acuada entre dois polos: a dinâmica urbana, que cria a arquitetura hostil, e a falta tanto de políticas de assistência social quanto de geração de emprego e renda.
Um novo higienismo se apresenta
Se a expressão “arquitetura hostil” é recente — foi atribuída em um artigo de 2014 do jornalista britânico Ben Quinn —, a origem desse fenômeno não é, pois tem um histórico muito mais distante. No Brasil, as políticas higienistas têm relação com os escravizados recém-libertos.
Ao serem alforriados sem qualquer política pública de compensação e reinserção social, um enorme contingente de negros passou a morar em condições muito precárias em cortiços do centro do Rio de Janeiro, a então capital federal.
Naquele momento, o movimento higienista se mostrou ambivalente. Para Gisele Cardoso de Almeida Machado, mestre em Geografia pela PUC-RJ, os cortiços eram fontes de lucro para os proprietários e arrendatários. Porém, logo na sequência, uma “limpeza” urbana com alegações em torno da saúde e segurança empurrou essas pessoas para a periferia, gerando as favelas que visualizamos hoje. Mais de 100 anos depois, as mesmas razões se articulam para expulsar da cidade os “indesejáveis” e torná-los invisíveis.
Fonte: Archdaily, ANPUH.
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