O embate entre motoristas e pedestres nas cidades parece um fato consumado. Qualquer rumor ou planejamento de vias alternativas aos carros é respondida com fúria pelas pessoas que usam veículos individuais como principal meio de transporte.
O medo de maior congestionamento, falta de vias e aumento do tempo gasto no trânsito parece assombrar os motoristas. Mas será que tornar algumas vias exclusivas para pedestres é tão ruim para o trânsito? Pesquisas e experiências ao redor do mundo mostram que não.
Mais ruas para carros não diminuem o tráfego
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Barcelona compilou dados de 545 municípios da Europa por 20 anos, entre 1985 e 2005, mostrando que a construção de mais vias para carros criou mais congestionamento. Ao contrário do esperado, o aumento desproporcional das frotas leva ao aumento de congestionamentos.
E menos ruas?
Por outro lado, um levantamento realizado pelos pesquisadores Sally Cairns, Stephen Atkins e Phil Goodwin, em 2001, analisou os efeitos da realocação de vias para carros para outras finalidades.
O estudo, intitulado Disappearing traffic? The story so far, mostrou que as mudanças acarretam uma série de benefícios para a população e para a economia local, e o trânsito não se acumula em vias vizinhas como se poderia pensar.
O estudo analisou mais de 70 casos de realocação de vias em cidades de todo o mundo e alguns dos benefícios encontrados foram:
- melhora da qualidade do ar;
- maior investimento nos locais;
- florescimento do comércio;
- maiores índices de população se exercitando;
- maior número de pessoas na rua, o que aumenta a segurança;
- aumento dos deslocamentos curtos a pé;
A redução de vias focadas nos carros também permite o maior uso de veículos públicos e menos poluentes como trólebus, ônibus, metrôs e trens. Esse fenômeno, que ficou conhecido como ‘traffic evaporation’ (evaporação do trânsito), não acontece por milagre. Motoristas são desencorajados a usar os veículos e buscam alternativas com melhor custo-benefício para o deslocamento.
Leia também:
Ciclovia zigue-zague: entenda a polêmica de Balneário Camboriú
Tarifas de transporte público mais caras do Brasil
Bikes são 10 vezes mais sustentáveis que carros elétricos, diz estudo
Além disso, fenômenos como alteração de horários de tráfego demonstram um maior cuidado em tentar sair em momentos com menor trânsito. Durante a pandemia, também percebeu-se um forte aumento nos aplicativos de carona e de transporte, aumentando o número de pessoas nos veículos.
E o comércio?
Muitos comerciantes têm medo de que a ausência do trânsito de carros nas ruas possa diminuir a quantidade de clientes, mas os estudos também mostram o contrário. Ruas transformadas para a circulação exclusiva de pedestres e ciclistas têm um aumento no faturamento e crescimento do número de empresas.
É o caso da rua Lijnbaan Street, em Roterdã, na Holanda. Com forte investimento público, a rua foi convertida para um centro moderno, com muito comércio, conforto para os pedestres e prosperidade para os comerciantes.
Em San Francisco, nos Estados Unidos, um exemplo igualmente bem-sucedido foi a da Market Street. A cidade impediu a circulação de carros em alguns trechos e estuda o alargamento de faixas para pedestres. Outro exemplo nos Estados Unidos é a conversão da Times Square para uma via de pedestres.
No Brasil, há o exemplo da Rua XV (Curitiba), uma das principais avenidas da cidade que foi fechada para os carros nos anos 1970. Sob forte protesto dos comerciantes, o então Prefeito Jaime Lerner fechou a rua por alguns dias com a justificativa de reformas.
A avenida, porém, nunca mais foi reaberta para os carros, mas a resistência dos comerciantes logo diminuiu. Em pouco tempo, a Rua XV se tornou um dos principais pontos turísticos da cidade e milhares de pedestres transitam por ela diariamente.
Fonte: ArchDaily, Nacto, The City Fix, Ideas, Caos Planejado, Somos Cidade