O conceito de segregação socioespacial pode ser exemplificado com a clássica imagem do condomínio de luxo do Morumbi colado à comunidade de Paraisópolis — presente em diversos livros didáticos desde os anos 1980. A discrepância resume a diferença de direitos no mesmo espaço urbano para grupos sociais distintos e tem raízes profundas.
A segregação socioespacial está ligada a lógicas econômicas estruturais. O papel do poder público, por essa ótica, seria equilibrar essas forças e possibilitar usos mais igualitários do espaço urbano — o que raramente acontece.
Mais do que a localização da moradia de cada grupo, a segregação socioespacial se refere ao próprio processo de construção da cidade, como a estrutura de serviços públicos é distribuída pela malha urbana — transporte coletivo, educação, saúde e oportunidades de emprego — e, então, como as pessoas se arranjam em moradias a partir desse contexto. O planejamento urbano pode diminuir ou aumentar essas desigualdades em processos como a gentrificação.
Segregação socioespacial: o histórico da discussão
O conceito começou a ser utilizado pela Escola de Chicago entre os anos 1930 e 1940 para analisar como diferentes populações se distribuíam pelas cidades estadunidenses. Apesar de reconhecer que existia uma diferença perceptível nos espaços ocupados por cada grupo — segregação, portanto —, os pensadores justificavam esse fenômeno por “escolhas naturais” dos grupos, com pouca ou nenhuma influência de atores externos.
Algumas décadas depois, a partir dos anos 1960 e 1970, os estudiosos da Escola de Sociologia Urbana Francesa trouxeram uma ótica marxista para o conceito. Mais do que apenas constatar o local das residências, essa linha de pensamento reconhecia o papel crucial dos processos capitalistas na segregação socioespacial. A estratificação urbana, portanto, também seria uma expressão da estratificação social e da luta de classes.
A partir dessa linha de pensamento, muitos novos autores realizaram estudos sobre o tema da segregação socioespacial, reconhecendo os diversos fatores envolvidos. Para fins de conceito, é possível destacar três estudiosos de origem marxista: Henri Lefébvre, Manuel Castells e Jean Lojkine, cada um trazendo novas questões para a discussão.
Outra ótica para a segregação socioespacial
Lefébvre é um dos primeiros autores marxistas a discutir a segregação socioespacial por essa ótica, afirmando que a organização do espaço urbano é um fenômeno diretamente relacionado à lógica capitalista. Essa relação se dá em três dimensões: o espaço urbano como mercadoria; o acesso diferenciado ao espaço urbano (em consequência disso); e a apropriação subjetiva e ideológica do espaço a partir das duas dimensões anteriores.
Já Castells destaca o papel da atuação política no processo de segregação socioespacial, que seria dinâmico e contínuo — não estático. Suas obras analisam como os diversos atores sociais organizam e produzem o espaço urbano:
- o poder público, com políticas de planejamento urbano e uso do espaço;
- as elites detentoras do capital, com poder de influência sobre o poder público e alguns setores, como a imprensa, até os grupos sociais menos favorecidos;
- os grupos menos favorecidos, com menor acesso a informações, representatividade e até interesse na organização do espaço urbano.
Lojkine, por sua vez, adiciona outras ideias ao debate, analisando a divisão entre zonas para classes abastadas e pobres, a oposição entre centros favorecidos e as periferias, bem como a distribuição dos serviços públicos por esses diferentes espaços.
Por essa visão, a segregação socioespacial acontece no acesso aos serviços coletivos, na atenção às políticas públicas para cada grupo, além da própria configuração espacial das cidades para manter divisões — com o estado, em muitos casos, atuando para demarcar essa separação entre ricos e pobres.
Por fim, é importante observar que novos autores sempre trazem mais camadas para o debate e pode não existir consenso sobre cada nuance da segregação espacial. O que é possível ver, de fato, é que esse fenômeno acontece com frequência nas grandes cidades e que a questão da segregação socioespacial precisa ser levada em conta nos planejamentos urbanos.
Fonte: Revista Unesp, Revista USP.