A máxima “somos todos pedestres” sempre é lembrada em campanhas de conscientização no trânsito; no entanto, a caminhabilidade nas cidades vai além disso. Independentemente do modal utilizado para o deslocamento, é quase impossível que uma parte do trajeto não seja realizado a pé.
Ir de casa para o ponto de ônibus ou de metrô, descer das estações e ir para o trabalho, deixar o carro ou a bike em um estacionamento e chegar até o destino: quase tudo isso envolve a caminhada.
E não importa em qual região você vive, basta andar pela cidade para perceber que as calçadas do Brasil podem ser bastante hostis a quem tem a mobilidade mais limitada. Buracos, irregularidades na superfície, falta de rampas de acesso e até a própria falta de calçadas, que faz pedestres competirem por espaço com carros nas ruas, são situações comuns em todo o País.
Assim, a falta de prioridade de investimentos na caminhabilidade e da pedestrianização traz impactos negativos, não somente para a mobilidade urbana, como também para a própria cidade.
Benefícios de apostar na caminhada
Depois de mais de um século, onde a maioria das cidades foi moldada para abrigar e facilitar o deslocamento por carros e veículos individuais, muitas estão fazendo o caminho inverso. Isso porque a ocupação do espaço por carros é pouco efetiva e concentrada somente em alguns horários ao longo do dia.
Mesmo assim, a estrutura montada para abrigá-los (ruas, asfaltos, cruzamentos, semáforos, etc.) não pode ser ocupada por pedestres nem outros praticantes de mobilidade ativa (bike, skate e patinete, por exemplo) em razão dos riscos. Isto torna as cidades pouco caminháveis e seguras, já que, uma vez passado os horários de pico, as vias ficam ermas.
Em contrapartida, as ruas destinadas aos pedestres costumam ser mais frequentadas e melhor iluminadas, aumentando e favorecendo o comércio local, além de garantir maior segurança aos transeuntes. Ademais, centros de cidades que são exclusivos para a circulação de veículos e ruas destinadas apenas a pedestres tendem a se tornar pontos turísticos.
Um dos principais benefícios da caminhabilidade é a diminuição da poluição, e esta ocorre por uma série de fatores. O mais óbvio é a proibição da circulação de veículos que emitem gases poluentes, sem falar na poluição sonora.
E exemplos de cidades que retomaram investimentos para qualificar a estrutura para a caminhabilidade não faltam: Amsterdã (Holanda), Chongqing (China), Nova York e San Francisco (Estados Unidos), Copenhague (Dinamarca) e Seul (Coreia do Sul) são algumas delas. Todas viram as pessoas voltando às ruas e transformando o cenário das cidades. No Brasil, a Avenida Paulista, em São Paulo (SP), aos domingos, e a Rua XV, em Curitiba (PR), que virou um calçadão para pedestres, são exemplos de pedestrianização.
O que falta para melhorar a caminhada?
Se os benefícios são conhecidos, o que ainda precisa ser feito para estabelecer e consolidar a rede de mobilidade a pé no Brasil?
Segundo o Guia de Defesa da Mobilidade a Pé, do Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo, a legislação difusa e multiplicidade de atores atrapalha as políticas da área no País. A associação é uma organização da sociedade civil que pesquisa os benefícios da caminhabilidade e pressiona por investimentos em São Paulo.
Tal cartilha demonstra que as Leis sobre calçadas no Brasil estão espalhadas entre Leis Federais, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Normas de Acessibilidade da ABNT, Leis municipais, planos diretores de cidades e outras normas.
A falta de uma Lei efetiva e de fiscalização mais direta faz com que muitos atores empurrem as responsabilidades sobre a manutenção. Na maioria das cidades, por exemplo, a responsabilidade pelas calçadas é dos proprietários do lote na área da calçada, que devem seguir normas da prefeitura ao construir e reformar.
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Medidas para melhorar a caminhabilidade
Segundo o Guia, várias medidas podem ser tomadas para aumentar a caminhabilidade no Brasil, mas todas elas passam pela valorização da caminhada como meio de deslocamento. Entender que a mobilidade a pé é um tipo de transporte como todos os outros e complementar à maioria deles aumentará o entendimento sobre a necessidade do investimento na área.
Com mais investimentos, as calçadas e superfícies de caminhada podem ser melhores e adequadas a todas as pessoas, principalmente com baixa mobilidade. Cidades amigáveis e com acessibilidade garantem a melhora do transporte para todos. Afinal, sempre haverá um momento na vida em que rampas e boas calçadas serão úteis, seja na hora de empurrar um carrinho de bebê, carregar as compras ou durante a terceira idade.
Também é fundamental consolidar a rede de mobilidade a pé, qualificando e criando caminhos entre os principais pontos de trajeto. Por exemplo, sinalizando e reformando calçadas que integrem os principais pontos do transporte coletivo e sinalizando as travessias nas ruas.
As faixas de pedestre são uma discussão em si. Estudos mostram que passarelas são pouco efetivas, pois fazem pedestres gastarem energia ao subir degraus, tendo que andar mais metros do que precisariam se fosse em linha reta. Assim, a melhor solução é a faixa de pedestre em nível da rua, em linha reta ou no menor comprimento possível.
Outro fator que economiza a energia de pedestres e otimiza o deslocamento é a sinalização. Sinalizar bem a cidade, seja em relação ao trafego ou a pontos turísticos geograficamente, faz os pedestres se localizarem melhor. Isso garante que a caminhada seja bem direcionada, protegendo principalmente que tem a mobilidade diminuída.
Além desses elementos, fatores de segurança, como a boa sinalização de trânsito e iluminação, são fundamentais para cidades amigas das caminhadas. Medidas que integrem a tecnologia como totens com rotas e indicações de caminhos, semáforos inteligentes e aplicativos locais de mobilidade são outros fatores que podem ser o considerados um diferencial para as cidades.
Fonte: Cidade a pé, ArchDaily, Como anda, WRI Brasil, Revista USP