O processo brasileiro de urbanização tem exacerbado uma série de problemas que afetam a qualidade de vida da população, seja ao refletir no aumento da poluição do ar, seja ao expor fenômenos urbanos que versam sobre como a ocupação se dá no território.
A fragmentação do processo urbano tal como conhecemos atualmente é fruto de uma série de fenômenos que se desenvolveram ao longo dos séculos na América Latina. No Brasil, a ausência de um controle governamental mais rígido, que, em certos momentos, permaneceu focado em promover a ocupação do território nas áreas litorâneas, deixou as terras à mercê do interesse de entes particulares.
Um olhar histórico
Com base no interesse citado acima, cidades litorâneas próximas aos portos, a exemplo do ocorrido no Rio de Janeiro ao longo do ciclo do ouro e do café, beneficiaram-se do dinamismo econômico impulsionado pelas exportações. Por outro lado, as cidades do interior brasileiro permaneciam estagnadas quando não possuíam um elemento atrativo, como a vegetação e maior disposição de recursos naturais.
Historicamente, pode-se dizer que, com a promoção do trabalho assalariado, a acumulação de capitais propiciada pelo avanço do capitalismo mudou esse cenário ao incentivar que o território fosse ocupado de uma nova forma, levando a população para áreas que se consolidaram como grandes centros urbanos.
Sendo assim, as metrópoles foram palco de uma transformação que propiciou a formação de aglomerados urbanos de uma forma desordenada e, ao mesmo tempo, contribuiu para uma maior concentração de capitais nas mãos de pequenos grupos.
Leia também:
- Energia renovável: como diminuir a poluição nos transportes?
- O que são metrópoles e quais são as principais características?
- 3 exemplos de segregação socioespacial
Formação de centros urbanos e de problemas em larga escala
A intensidade em que essa mudança se deu também acabou por culminar em problemas de grande escala. A partir disso, a própria espacialização do território, moldada pelo neoliberalismo, tomou como ponto de partida o avanço da deterioração ambiental, da poluição sonora e das aglomerações. E assim, áreas foram reorganizadas para atender o interesse de entes privados.
Inclusive, em meio à verticalização das moradias ocorrida a partir do século XX, por exemplo, esse processo se beneficiou da infraestrutura que já estava estabelecida em determinadas áreas. Mesmo em cidades planejadas, como Belo Horizonte e Brasília, o Estado se mostrou incapaz de atuar na manutenção do espaço urbano.
Ao mesmo tempo, com a valorização dos imóveis, a população com menor acesso à renda migrou para áreas mais afastadas e sem infraestrutura desenvolvida, com boa parcela das moradias sendo construída pela própria população em áreas não planejadas e sem a oferta de serviços básicos.
Assim, forma-se a dinâmica da segregação socioespacial, em que “a distância física, de alguma forma, repercute na distância social”, descrita por Walter Fernando Brites, da Universidade do México, em seu artigo “La ciudad en la encrucijada neoliberal. Urbanismo mercado-céntrico y desigualdad socio-espacial en América Latina”.
Privatização do espaço público e reordenação do espaço
O neoliberalismo também se faz presente no processo de privatização do espaço público, com a concessão de espaços destinados ao lazer, como parques e praças. Além disso, as intervenções realizadas nas cidades, em vez de atenderem a população de uma forma descentralizada, promovem o embelezamento e valorização de áreas específicas, elitizando bairros inteiros.
Com esse processo mais consolidado, as dicotomias ficam mais visíveis em ciclos de renovação, onde ocorre um novo deslocamento urbano, de forma que o espaço seja reorganizado, atendendo aos interesses do mercado imobiliário.
Hoje, é possível até mesmo perceber como há um novo ciclo em andamento, onde ocorre o processo de migração da elite para os chamados cinturões verdes em áreas isoladas, com acesso facilitado por veículos destinados ao uso individual.
Já as regiões que se desvalorizaram e passam a ser ocupadas pela população com menor renda permanecem desordenadas, mas também como o status de reserva imobiliária, aguardando uma nova dinâmica que possibilite a sua valorização no futuro.
Fonte: Revista Brasileira de Gestão Urbana, USP