Santiago Uribe, especialista em pacificação de bairros de Medellín, na Colômbia, fala ao Mobilidade Estadão sobre como enxerga o problema da violência nos grandes centros urbanos Por Daniela Saragiotto Ele participa do processo que tem feito Medellín, na Colômbia, passar de cidade mais violenta do mundo para uma metrópole reconhecida pela inovação. Na década de […]
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Santiago Uribe, especialista em pacificação de bairros de Medellín, na Colômbia, fala ao Mobilidade Estadão sobre como enxerga o problema da violência nos grandes centros urbanos
Por Daniela Saragiotto
Ele participa do processo que tem feito Medellín, na Colômbia, passar de cidade mais violenta do mundo para uma metrópole reconhecida pela inovação. Na década de 1990, a cidade registrava 6349 homicídios por ano, número que caiu para 319 em 2022.
“As cidades que promovem proteção, oportunidades e intercâmbios entre as pessoas são as mais inovadoras”, diz Santiago Uribe, antropólogo de formação, professor universitário e o primeiro Chief Resilience Officer (CRO) de Medellín e o segundo a ocupar cargo semelhante no mundo. Entre os aspectos que ele defende como essenciais para o bem-estar da população está um bom sistema de mobilidade.
Seu trabalho tem como foco as transformações dos bairros, a prevenção da violência e as renovações urbanas. Entre suas crenças está a de que a tecnologia social é um vetor de transformação e a de que é fundamental o planejamento participativo e o engajamento das comunidades locais para a pacificação. Confira, a seguir, trechos da entrevista exclusiva de Uribe ao Mobilidade Estadão.
Como os equipamentos públicos urbanos e o sistema de mobilidade podem favorecer a segurança das pessoas?
Santiago Uribe: Em primeiro lugar, é preciso compreender que a mobilidade não é um sistema de transporte, mas é aquele equipamento que facilita e aproxima as pessoas das oportunidades. Um desafio para as cidades é quando, na construção de seu sistema de transporte, é preciso decidir que regiões ele precisa percorrer. E a reposta é muito simples: ele precisa aproximar os locais onde estão as oportunidades das pessoas que mais precisam delas.
Mas as as oportunidades não são apenas empregos, mas também educação, educação superior, cultura, lazer, intercâmbio de ideias, entre outros. Um sistema rico de mobilidade é o que aproxima a população de todos esses serviços e direitos.
Depois, temos parques, bibliotecas, praças públicas, espaços para esportes, recreação, entre outros. Medellín, por exemplo, está sendo muito inovadora porque inaugurou uma estrutura chamada Escuchaderos, com profissionais especializados dedicados a tratar da saúde mental da população.
Foi detectado que havia um problema e, a partir disso, foram construídos 161 postos para atendimento das pessoas. Então, acredito que essas estruturas que mencionei são algumas das que favorecem a segurança nos centros urbanos.
Na sua visão, o Brasil está tratando da maneira correta a questão da da violência nas cidades?
Acredito que o País em feito muitas coisas boas, mas elas estão sendo realizadas no âmbito das municipalidades, ou seja, pelas prefeituras. Alguns exemplos é o que está acontecendo em Pelotas (RS), que implementa há alguns anos o Pacto pela Paz, e iniciativas nesse sentido em Recife (PE), Curitiba (PR), entre outros bons exemplos.
Mas uma nação é a construção de uma ideia coletiva, de uma energia e de uma força política. Não acho que se tem falado sistematicamente que o Brasil tem 12 cidades na lista das mais perigosas do mundo; não vejo esforços conjuntos para o desenho de estratégias de integração social, elementos que podem ser encontrados como inspiração em outros países de forma muito fácil, entre outros fatos preocupantes.
Então, vejo que há iniciativas muito boas dentro do País, mas elas não estão integradas em inteligência para que se pense nessa problemática de maneira estratégica. Adicionalmente, acho que uma nação que se divide numa disputa entre apenas dois políticos tem um problema gigante e é evidente a necessidade de novos líderes, que possam trazer uma visão nova do Brasil.
Quando falamos de uma cidade mais segura, pensando na infraestrutura de mobilidade, estamos falando de tecnologia?
Normalmente, quando falamos de segurança, as pessoas pensam em câmeras, tecnologia, sensores e forças policiais. Entretanto, a segurança é muito mais do que isso: é o movimento de unir pessoas que sejam conscientes dos desafios, que se comprometam em criar espaços públicos protetores e que compartilham da responsabilidade de proteger uns aos outros.
Sempre que uma cidade fica mais perigosa, a primeira resposta é mais polícia nas ruas, além de mais tecnologia. Mas na verdade a insegurança é resultado de uma problemática muito maior e mais complexa, que são as desigualdades sociais, porque as soluções para esse problema levam muito tempo.
Estamos falando de construir escolas, incentivar a educação, fazer programas de segurança alimentar, garantir um sistema de mobilidade eficiente e inclusivo, entre outras iniciativas cujos resultados levam anos. E os políticos querem ações cujos resultados sejam rápidos, como colocar mais policiais nas ruas, o que cria a percepção de segurança, mas na realidade não resolve o problema.
Sabemos que para as mulheres o impacto da violência nas ruas é ainda maior. Na sua visão, o que seria uma cidade segura para elas?
É aquela em que as mulheres se sentem protegidas. Normalmente, as pessoas pensam imediatamente em locais com boa iluminação. Isso é importante, sem dúvida, mas não é suficiente: cidade segura para as mulheres é aquela que valoriza suas ideias como parte dessa construção coletiva, é aquela que conta com suas opiniões e vivências na construção das políticas públicas.
Enquanto continuarmos falando de ‘cidades seguras para as mulheres’ sob a perspectiva de homens que tomam todas as decisões, não podemos dizer uma cidade é inteligente. Então, precisamos de mulheres prefeitas, mulheres nas secretarias de mobilidade, entre outros espaços de poder, para que o público feminino possa conduzir políticas específicas, com sua maneira de olhar e sentir tais medidas.