Política de incentivo do uso de etanol trava aposta em carro híbrido

11 de setembro de 2024 7 mins. de leitura

Quando não tem vantagem econômica para consumidor, etanol acaba rejeitado; diretora do Ministério de Desenvolvimento afirma que preços do combustível são definidos por mercado Por Cleide Silva e Luciana Dyniewicz – editada por Mariana Collini em 11/09/2024 Embora conte com o uso do etanol para contribuir com a descarbonização dos automóveis, o governo brasileiro não […]

Publicidade

Quando não tem vantagem econômica para consumidor, etanol acaba rejeitado; diretora do Ministério de Desenvolvimento afirma que preços do combustível são definidos por mercado

Por Cleide Silva e Luciana Dyniewicz – editada por Mariana Collini em 11/09/2024

Embora conte com o uso do etanol para contribuir com a descarbonização dos automóveis, o governo brasileiro não tem, até agora, um programa para incentivar o consumidor a colocar combustível sustentável no tanque do carro. Mesmo com versões híbridas flex, a tendência é o consumidor continuar abastecendo com gasolina, como faz hoje com os carros flex normais.

O Brasil tem cerca de 40 milhões de carros de passeio em circulação, sendo 85% flex. Desse total, só 30% a 40% são abastecidos com etanol, porque os consumidores não veem vantagem financeira em seu uso. Também se incomodam em ter de passar mais vezes no posto para abastecer, já que a eficiência do álcool equivale a 70% da gasolina. Nos novos projetos das montadoras, previstos para até 2030, há estudos para reduzir essa diferença.

Questionada sobre o tema, a diretora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Margarete Gandini, diz que “a política de preços do etanol é definida pelo mercado”. A tarifa envolve diversas variáveis como paridade com a gasolina, entressafra, valor do açúcar e clima.

Embora não tenha um programa voltado diretamente ao consumidor, Margarete ressalta “que o governo tem várias políticas para incentivar o uso do etanol e de outras tecnologias sustentáveis, entra elas o Mover (programa de incentivo às montadoras para a produção de veículos eletrificados) e o PL do Combustível do Futuro”.

O porta-voz da área ESG da Toyota no Brasil, Roberto Braun, reconhece que há políticas que incentivam combustíveis alternativos no Brasil, como o RenovaBio, que permite aos produtores de biocombustíveis emitirem certificados que podem ser negociados na Bolsa. O executivo, entretanto, afirma que muitas vezes o consumidor é desestimulado a usar o etanol devido ao preço. “Seria importante que houvesse medidas de incentivo ao uso do etanol. Alguma política que permita o combustível ter um preço competitivo.”

O setor de transporte é responsável por 13% das emissões totais de poluentes no Brasil, e os automóveis participam com cerca de 40% desse total. “Subtraindo o que seria evitado com o uso somente do etanol na frota atual de carros flex, cerca de um terço desses gases seriam eliminados”, diz Besaliel Botelho, membro do conselho da Bright Consulting e ex-presidente da Bosch. No mundo todo, os automóveis de passeio são os maiores emissores no setor de transporte.

Caso toda a frota atual de carros flex fosse abastecida com etanol, o País já estaria preparado para atingir as metas de descarbonização até 2030, diz Botelho. “Usar o que já temos nas nossas mãos, como o etanol e a biomassa, seria mais rápido (para promover a descarbonização) do que desenvolver e produzir veículos híbridos e elétricos.”

Há dúvidas, contudo, em relação à capacidade das usinas em atender o mercado caso a demanda por etanol aumente no curto prazo ou o preço internacional do açúcar dispare. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), não há riscos de escassez, como ocorreu no passado. Além de novas tecnologias que ampliam o aumento da produtividade da cana, outras matérias-primas estão sendo usadas para fabricar o combustível, como milho, agave e cereais.

O presidente da Unica, Evandro Gussi, destaca que, até 2003, o Brasil produzia 300 milhões de toneladas de cana por ano. Nos oito anos seguintes, esse número foi duplicado. “O setor está pronto para investir e crescer. Temos variedades de cana cada vez melhores, que aumentam a produtividade. Já mostramos que somos capazes disso anteriormente”, diz.

Gussi, no entanto, pondera que a demanda global deverá ser tão grande nos próximos anos que o Brasil terá de contar com a ajuda de outros países na produção de biocombustíveis. “A Unica e o governo brasileiro têm se esforçado para levar toda a tecnologia para países africanos”, cita ele.

Enquanto no Brasil o setor de transporte (carros, caminhões, ônibus, trens, aviões e navios) representa 13% de todas as emissões de CO2, na União Europeia a participação é de 23% e, nos EUA, de 29%. A fatia na China é de 7%, porém a de geração de energia, boa parte à base de carvão, fica com 76% das emissões, índice que no Brasil é de 7%.

Na comparação global de emissões de todos os setores, o Brasil aparece em melhor posição do que grandes países, com emissão de 1,7 bilhão de toneladas de CO2 ao ano. A China emite 11,7 bilhões de toneladas/ano, os EUA 5,8 bilhões e a União Europeia e a Índia empatam em 3,3 bilhões, segundo dados da Bright Consulting.

Em defesa do elétrico

Mesmo com a opção do Brasil pelos híbridos, a transição diretamente para os elétricos tem seus defensores. Para Jaime Ardila, sócio da consultoria norte-americana Hawksbill Advisors, é um erro o País desenvolver uma alternativa de híbrido flex porque, em poucos anos, diz ele, haverá poucas plataformas globais (bases) de veículos a combustão, pois a maioria será dedicada a carros a bateria.

Segundo Ardila, isso significa que haverá poucas opções de modelos com essa tecnologia. Hoje, a maioria dos veículos fabricados no País é desenvolvida pelas matrizes e apenas adaptada ao mercado brasileiro. Ardila, que foi presidente da General Motors do Brasil e da América do Sul, ressalta também que a questão dos altos preços dos elétricos está mudando.

De acordo com ele, nos EUA os preços já são competitivos. O executivo admite, porém, que no momento a maioria dos modelos é do segmento mais alto de preços e há poucas opções mais econômicas.“Mas isso deve mudar ainda neste ano”, diz.

Com metodologia diferente daquelas usadas pelas montadoras, um trabalho feito pelo Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT Brasil) mostra que carros elétricos emitem 64% menos gases de efeito estufa (GEE) em comparação aos tradicionais à combustão. Já as emissões de veículos híbridos em relação aos flex, mesmo quando ambos usam etanol, alcançam diferença de no máximo 15%.

A avaliação envolve o ciclo de vida dos veículos e o cálculo leva em conta a média de participação do mercado entre veículos que usam gasolina e etanol. André Cieplinski, pesquisador do ICCT, afirma que, “se o País for pela rota do etanol, talvez seja suficiente para atender às metas de descarbonização até 2030, mas, para atingir uma meta mais ousada, são necessárias ações mais drásticas para redução de carbono no futuro”.

Em sua opinião, muitas vezes a discussão fica em torno da oposição entre híbrido a etanol e elétrico, quando na verdade o que o País precisa é reduzir o uso do combustível fóssil.

https://www.estadao.com.br/economia/brasil-carro-hibrido-incentivo-etanol/

Foto: GettyImages

 

Webstories