Qual é a relação entre o futuro da mobilidade e as eleições?

24 de setembro de 2020 6 mins. de leitura

Candidatos terão de buscar soluções em longo prazo para antigos e novos problemas, segundo especialista em planejamento urbano e políticas públicas

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Garantir condições de mobilidade urbana à população é um dos principais desafios das cidades brasileiras. Mesmo antes da chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil, o transporte público estava em crise, e a necessidade de oferecer melhores estruturas de deslocamento aos usuários de meios ativos, como a bicicleta, já era evidente.

O Summit Mobilidade Urbana discute temas atuais do setor. Conheça o evento.

As medidas de isolamento social adotadas para conter a doença agravaram a crise no setor e expuseram como nunca as falhas do sistema — não apenas aqui, mas também em outros países do mundo. Além de prover auxílio financeiro para salvar as empresas de transporte do colapso, foi preciso acelerar projetos e obras para garantir a mobilidade nos grandes centros urbanos.

Por todos os problemas enfrentados nos últimos meses no Brasil, tudo leva a crer que a pauta da mobilidade urbana terá destaque nas campanhas dos candidatos às eleições municipais deste ano, que acontecem no dia 15 de novembro. 

Para falar sobre as mudanças necessárias nos sistemas de transporte brasileiros e das adversidades que serão enfrentadas pelas próximas administrações municipais, convidamos o professor José Ricardo Vargas de Faria, coordenador do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele também é integrante do Fórum BR Cidades, uma plataforma virtual que apresentará, a partir do mês que vem, propostas e soluções para as grandes questões urbanas brasileiras.

José Ricardo Vargas de Faria é coordenador do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas da Universidade Federal do Paraná (CEPPUR/UFPR). (Fonte: Divulgação)
José Ricardo Vargas de Faria é coordenador do Centro de Estudos em Planejamento e Políticas Urbanas da Universidade Federal do Paraná (CEPPUR/UFPR). (Fonte: Divulgação) 

Quais são os principais problemas relacionados à mobilidade urbana que as cidades brasileiras apresentam atualmente?

Por conta do coronavírus, novos problemas surgiram, principalmente relacionados à segurança sanitária. Atualmente, existe um receio de se usar o transporte público, e isso é muito prejudicial, pois o uso dos meios coletivos é um dos pilares da mobilidade sustentável. A ideia de que o transporte individual é mais seguro causa uma série de implicações urbanísticas que deverão ser amenizadas com propostas de incentivo à mobilidade ativa.

Além disso, existem ainda os problemas antigos, relacionados ao transporte coletivo, como o alto custos das tarifas, a falta de qualidade e a demora. Em Curitiba, por exemplo, o tempo médio de um deslocamento de ônibus é de 44 minutos. De carro, o tempo médio é de 20 minutos. 

Micromobilidade: por que a bicicleta é o meio mais saudável?

Todo mundo acreditava que os aplicativos de carros concorrem com os táxis; na verdade, eles concorrem com o transporte coletivo. Pagando um pouco mais por um carro, chego ao meu destino mais rapidamente e com mais conforto. Se eu dividir esse carro com alguém, o valor pode ser até mais baixo. 

Essa situação causa um ciclo vicioso, pois, ao perder usuários, o custo do sistema de transporte coletivo precisa ser dividido por um número menor de passageiros, encarecendo a tarifa e prejudicando ainda mais a qualidade do serviço, já que em muitos casos linhas são cortadas e a frota de veículos diminui.

Interior de ônibus com passageiros
A perda de passageiros de transporte coletivo é um dos principais desafios a serem enfrentados pelas cidades. (Fonte: Shutterstock)

Como superar essa crise? Quais mudanças são necessárias?

Em primeiro lugar, é preciso entender os mecanismos de custo do sistema, rever o modelo de tarifa única e pensar em novas formas de financiamento, por meios tributários e fiscais. O subsídio é necessário, mas não é o suficiente, principalmente em longo prazo. Uma revisão do sistema tributário é necessária.

Além disso, é preciso pensar em inovação tecnológica. Em algumas cidades do mundo, já existem sistemas de roteamento dinâmico para o transporte coletivo, similares aos usados pelos aplicativos de carro. Ou seja, as rotas são pré-estabelecidas de acordo com a demanda e podem mudar ao longo do dia. Isso tornaria o sistema mais eficiente e promoveria a redução dos custos, consequentemente.

Incentivar e facilitar o uso de meios de mobilidade ativa também é essencial. Isso porque, mesmo com a criação de uma vacina, continuaremos a conviver com o vírus. Será necessário repensar o design de vias e calçadas e mudar, inclusive, o tempo de sinalização, para manter o fluxo de pedestres e evitar a concentração de pessoas que precisam atravessar uma rua, por exemplo. 

Recentemente, a Associação de Oficiais do Transporte Urbano dos Estados Unidos, a NACTO, publicou um documento com essas e outras diretrizes que deverão ser usadas pelos municípios. 

Você acha que os candidatos têm consciência das mudanças que precisarão ser realizadas?

Infelizmente, acredito que não. Os candidatos mal têm conhecimento dos velhos desafios de mobilidade, que dirá dos novos. O próprio tema do financiamento do sistema de transporte, que é tão necessário, não é tratado politicamente. Em relação a isso, paramos na década de 1980.

A cidade de Curitiba, que já foi exemplo de mobilidade, parou no tempo. A última grande inovação do seu sistema foi a criação das estações-tubo e dos ônibus biarticulados.

Se você fosse candidato ou consultor de algum candidato, quais seriam as suas propostas?

Faço parte de um grupo formado por pesquisadores, profissionais e movimentos, o BR Cidades, que está terminando de criar uma plataforma para as eleições municipais. Essa plataforma apresentará diversas propostas para as questões urbanas do país. O grupo conta com núcleos em 16 estados, e o documento estará disponível a partir de 26 de setembro.

Em relação à mobilidade urbana, acreditamos que o ponto-chave é repensar o modelo de tarifação do transporte público e criar uma tarifa social, baseada no custo que o transporte tem para os trabalhadores e estudantes. 

O uso de bicicleta vai aumentar no pós-pandemia?

Além disso, inovar o sistema de gestão desse sistema é fundamental para reduzir custos e não perder usuários. Investir na integração temporal do transporte público, substituindo os terminais, é outra medida que ajudaria a reduzir custos sem prejudicar a qualidade do serviço.

A ciclomobilidade também é um tema importante a ser tratado, não só pelas pessoas que usam a bicicleta para de deslocar, mas também para aqueles que usam esse modal ou a motocicleta como instrumento de trabalho, como os entregadores, que estão sendo essenciais durante a pandemia. Provavelmente, a demanda pelos seus serviços continuará alta, mas não existe nenhuma estrutura que os atenda, como vias exclusivas e áreas de descanso.

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