Projeto visava à redução de atropelamentos de pedestres na via, mas despertou críticas de especialistas
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A construção de ciclovias é um tema central na discussão de mobilidade urbana. Ao apresentar metas objetivas nos planos diretores das grandes cidades brasileiras, esse é um estímulo importante para converter motoristas de carros individuais em ciclistas cotidianos. Mas será que toda ciclovia é bem-vinda?
Recentemente, Balneário Camboriú foi palco de uma polêmica ao construir uma ciclovia em zigue-zague. Isso ajuda a entender por que o formato e o modo de construção das vias podem ser a diferença entre uma solução efetiva ou não. Acompanhe a discussão e entenda o que envolve o debate!
A Prefeitura de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, optou por construir uma ciclovia em zigue-zague na Estrada da Rainha, uma rota turística da região. Essa decisão veio após duas mortes causadas por atropelamento no local, que é bastante íngreme e leva as bicicletas a ganhar velocidade.
Com o novo modelo, construído junto a um projeto de paisagismo e jardinagem, a região ganhou um tom de passeio familiar; além disso, as bikes são obrigadas a reduzir a velocidade, diminuindo o número de sinistros e tornando a via mais segura para ciclistas e pedestres.
O projeto foi alvo de piada nas redes sociais e recebeu críticas de especialistas da área. As principais ponderações trataram da desigualdade aplicada ao modal cicloviário e a via de circulação de carros, que fica logo ao lado — e elas fazem sentido. Diante do novo modelo da Estrada da Rainha, as pessoas que fazem uso da bike para se locomover em seu dia a dia podem preferir o compartilhamento do espaço com os carros.
Assim, a ciclomobilidade de lazer, que não tem a característica de percorrer a rota de modo veloz, segue em velocidade reduzida. Desse modo, os ciclistas habituais são empurrados para dividir o espaço com os motoristas de automóvel particular, que não têm uma cultura de proteção com quem pedala.
Santa Catarina tem forte influência da colonização alemã e, curiosamente, outro caso conhecido de ciclovia em zigue-zague está em Berlim — e lá a recepção também não foi das melhores.
No caso alemão, a rota tem apenas 200 metros e visava proteger a circulação na saída de uma escola. Ocorre que lá foi feita a lição de casa: a rua que passa em frente a ela tem velocidade máxima de 30 km/h.
No caso brasileiro, o problema é mais grave justamente porque o nó da questão não reside no uso das ciclovias. Elas são apenas um termômetro das disputas pelo solo urbano.
Ao proteger os pedestres de atropelamentos por bicicletas sem observar o conjunto de relações que se estabelecem sobre o solo urbano, assume-se o risco de expor os ciclistas a atropelamentos com carros, cujo índice é alarmante no Brasil.
Como os números da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego e outras instituições costumam apontar, são os automóveis os principais responsáveis por acidentes seguidos de morte, mas nem por isso há um movimento de restringir a velocidade desses veículos.
Essa desigualdade tem origem no papel que a cultura “rodoviarista” constitui no Brasil. Sem ferrovias nem boa estrutura cicloviária e com um transporte coletivo de baixa qualidade, os automóveis são uma forma de mobilidade priorizada pela população. Isso, por sua vez, impacta a tomada de decisão dos agentes públicos.
Fonte: Mobilize, BC Notícias, Detran.