EUA apagam homenagens a Cristóvão Colombo em meio a polêmicas

15 de dezembro de 2021 6 mins. de leitura

Entenda o que motiva a retirada de estátuas que resgatam a memória do navegador genovês.

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Os Estados Unidos têm levantado um debate importante e polêmico: nos últimos 50 anos, o país derrubou mais de 30 monumentos em homenagem ao europeu Cristóvão Colombo.

Não se trata de uma particularidade estadunidense. Em São Paulo, manifestantes incendiaram um ícone que fazia menção ao bandeirante Borba Gato; na Inglaterra, a imagem do escravocrata Edward Colston foi tirada do pedestal — literalmente. 

Conheça o assunto e entenda por que as réplicas do navegador europeu nos Estados Unidos falam de uma nação que ainda tem contas a acertar com o seu passado.

Quem foi Cristóvão Colombo e o que representa hoje?

Genocida? Desbravador? Não há consenso em relação à forma como se deve ler a figura de Cristóvão Colombo. (Fonte: Feliz Lipov/Shutterstock/reprodução)
Genocida? Desbravador? Não há consenso em relação à forma como se deve ler a figura de Cristóvão Colombo. (Fonte: Feliz Lipov/Shutterstock/reprodução)

A biografia de Cristóvão Colombo é um lugar-comum. Mais que nas estátuas, o navegador vive nos livros didáticos e na mentalidade de gerações que têm nele uma figura desbravadora e inovadora, a qual provou que a Terra era redonda — uma espécie de “empreendedor medieval”.

Em 2019, uma pesquisa feita pela organização Rasmussen revelou que 56% da população defendia a manutenção não apenas das estátuas, mas também do feriado que o homenageia nos Estados Unidos. Os contrários foram apenas 26%, mas correspondiam ao segmento com formação universitária.

Ao que parece, derrubar as estátuas do navegador significa arrancar junto raízes profundas da sociedade ocidental. Então é por isso que custa tanto enxergar na sua figura a personificação de um modo de civilização que subjugou, escravizou, explorou e enriqueceu países europeus às custas do trabalho de humanos que foram maltratados.

O frei Bartolomeu de Las Casas foi um religioso espanhol que veio para a América no século 16e denunciou o tratamento dado aos povos indígenas. Era um cenário de barbárie que não poupava idosos, crianças ou doentes e onde toda sorte de assassinato não era só tolerada, como também explorada em tom de criatividade quanto ao modo de extermínio. “Eles pegavam as criaturas das tetas das mães pelas pernas e batiam suas cabeças em pedras”, denunciou o padre.

Ao ler a história, o anacronismo é um dos equívocos mais recorrentes e também um dos mais graves, mas faz sentido pensar em qual espaço o navegador deve ter hoje. Para nós, quem é Cristóvão Colombo? O que sua memória significa atualmente? Esse é o debate que os Estados Unidos e o resto do mundo fazem.

O que fazer com estátuas de “vencedores”?

A transformação da visão sobre os eventos históricos levanta a questão de o que fazer com os monumentos já erguidos em homenagem a exploradores. (Fonte: Kim Kelley-Wagner/Shutterstock/reprodução)
A transformação da visão sobre os eventos históricos levanta a questão de o que fazer com os monumentos já erguidos em homenagem a exploradores. (Fonte: Kim Kelley-Wagner/Shutterstock/reprodução)

Em todo o mundo, as estátuas estão entre os monumentos urbanos mais frequentes de preservação ou construção de uma cultura. Eles não só falam de uma história, mas são capazes de criá-las, orientando um senso de coesão social.

É por isso que há um enorme debate sobre a manutenção de estátuas e outros elementos na paisagem urbana que dão materialidade a conflitos sociais que ainda deixam marca. Afinal, os bustos espalhados por ruas e praças falam de si, mas falam também de um silêncio. Quem deixa de ser retratado diante das homenagens aos conquistadores?

É verdade que derrubar as estátuas não muda o passado. Porém, os manifestantes que optam pela ação direta ou as cidades que debatem isso em seu legislativo apostam na capacidade de ressignificá-lo. Tirar o escravismo de circulação, por exemplo, seria um acerto de contas fundamental.

A tensão é compreensível também porque o racismo ainda permanece sendo um problema mesmo depois de 150 anos que a escravidão foi abolida em terras estadunidenses (na década de 1860).

Para se ter ideia da gravidade do fenômeno, o nazismo alemão chocou o mundo na primeira metade do século passado, promovendo o extermínio sistemático dos judeus e outros sujeitos que não fizessem jus à raça ariana. Contudo, após o fim da Segunda Guerra Mundial, ainda levaram 20 anos para que os Estados Unidos assinassem a Lei dos Direitos Civis, promulgada em 1964.

Um corpo que não respira

Estátua erguida em memória de George Floyd subverte a tradição de homenagens públicas. (Fonte: Ryan Rahman/Shutterstock/reprodução)
Estátua erguida em memória de George Floyd subverte a tradição de homenagens públicas. (Fonte: Ryan Rahman/Shutterstock/reprodução)

O movimento indigenista dos Estados Unidos faz coro com os ativistas negros. Os povos originários não apenas foram explorados pelos europeus, mas dizimados. Menos de 1% da população do país pertence a alguma etnia autóctone, e isso ajuda a explicar por que o movimento negro é o grande porta-voz de uma reparação histórica.

O debate ganha ainda mais importância diante da recusa sistemática de uma parcela da população estadunidense em derrubar a homenagem a Cristóvão Colombo de seu lugar. A defesa de um corpo que não respira contrasta com o tratamento dado a George Floyd, sufocado por policiais em Mineápolis, no estado de Minnesota. Contrasta também com todos os indígenas e os negros mortos ao longo dos últimos séculos.

Atualmente, 27 dos 50 governadores estadunidenses são do partido conservador, ainda eleitos sob o fenômeno Trump, que recebeu críticas severas em relação ao tratamento dado a imigrantes mexicanos, por exemplo. Apenas um dos dirigentes é não branco e tem ascendência nipônica. 

Esse fenômeno ajuda a entender por que é difícil ressignificar o passado, pois ele está presente e se desdobra em fenômenos contemporâneos. Aparentemente, Cristóvão Colombo paga o preço de ser um símbolo. Se antes suas expedições eram lembradas como a vitória de um povo indomado, hoje, 500 anos depois, os excluídos e invisíveis cobram um lugar de protagonismo.

Fonte: UFRN, UFRGS, Bloomberg.

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