Município é quase todo administrado pela iniciativa privada, e isso traz algumas vantagens, mas também muitos problemas
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Será que um município administrado por empresas é melhor do que aqueles geridos pelo setor público? A julgar pelo exemplo de Gurgaon, cidade privada da Índia, a resposta é um pouco mais complexa do que se possa imaginar.
Gurgaon fica no estado de Haryana, no noroeste do país, a apenas 30 quilômetros da capital Nova Déli, uma região bastante populosa. Esse local era uma área essencialmente rural até cerca de 20 anos atrás, quando diversas fábricas começaram a se instalar ali e, de certa forma, dominar o território.
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Como analisa o jornal inglês The Guardian, um aspecto importante nesse processo de privatização é a ineficiência dos governos na Índia, pois mesmo cidades grandes e ricas, como Mumbai, sofrem com falta de água e de luz. No caso de Gurgaon, esse aspecto era ainda mais presente, pois simplesmente não existia uma administração municipal, e o local foi controlado diretamente pelo governo estadual até 2008.
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Dessa maneira, muitas licenças de construção foram liberadas em poucos anos, estimulando um crescimento extremamente rápido: com menos de 200 mil habitantes em 2001, estima-se que Gurgaon tenha quase 3 milhões hoje. As fábricas e os prédios comerciais e residenciais começaram a surgir antes dos serviços públicos mais básicos.
Em vez de esperar as autoridades, as empresas começaram a proporcionar tudo: estradas, água encanada, iluminação, segurança e coleta de lixo. Absolutamente toda a estrutura necessária para Gurgaon funcionar foi criada — e é mantida até hoje — pelas companhias que, basicamente, construíram a cidade.
Um dos mais importantes estudos sobre Gurgaon foi feito por dois economistas da Universidade de Nova York, Shruti Rajagopalan e Alexander Tabarrok. Eles explicam que a cidade nasceu e cresceu no rastro da especulação imobiliária: enormes condomínios de luxo foram construídos para abrigar os altos funcionários das empresas, e cada um deles construiu a própria estrutura de serviços, sendo mantidos por organizações de moradores e pelas construtoras.
Sempre que um poste dá problema, em vez de esperar um mês, um funcionário da empresa de manutenção está lá no dia seguinte para consertá-lo, como relatam moradores ao The Guardian. O corpo de bombeiros é o único na Índia com equipamentos para apagar incêndios em andares altos, e os hospitais são tão avançados que pessoas do país inteiro vão até lá para se tratar.
Um dos principais problemas da cidade privada é a desigualdade extrema. Como a maioria dos terrenos tem dono, as pessoas mais pobres que desejam morar em Gurgaon têm poucas opções e vivem em apartamentos alugados em muitos casos pertencentes às mesmas empresas que constroem os condomínios de luxo.
Esses prédios funcionam como favelas verticais, conhecidas localmente como pukkas. É um processo de favelização com a ocupação irregular de áreas abertas, e quem vive nesses locais não tem acesso aos atendimentos mais essenciais.
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Além disso, alguns serviços simplesmente não funcionam no modelo segregado que existe em Gurgaon mesmo para quem pode pagar. Um dos casos mais emblemáticos é o saneamento básico: os prédios mais ricos só têm água encanada por causa de geradores a diesel, e o esgoto vai todo para os rios. Em meio aos campos de golfe e shoppings centers modernos, há montanhas de lixo e animais por todos os lados.
A luz elétrica é outro serviço que falha frequentemente, e, como não existe transporte público (fora alguns ônibus de empresas), a cidade depende 100% dos carros. Nesse cenário, Gurgaon acabou sendo eleita a cidade mais poluída do mundo, em 2019, em pesquisa do Greenpeace e IQ Air Visual.
Em vista disso, economistas concluem que Gurgaon tem serviços acima da média indiana, mas para quem pode pagar. Os pesquisadores também afirmam que a população não parece se importar com quem oferece os produtos, se empresas ou governos, desde que funcionem. Porém, a administração privada gera outros graves problemas: extrema desigualdade, ineficiência de muitos atendimentos mesmo para os ricos, além de problemas ambientais e entraves na mobilidade urbana.
Fonte: Business Insider, The Guardian, Universidade George Mason
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