O que é notopia e por que ela compromete a identidade urbana?

16 de abril de 2021 4 mins. de leitura

Entenda o que o conceito significa e por que ele preocupa arquitetos e urbanistas

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As séries a que assistimos, em geral, são veiculadas no mundo inteiro; nossa refeição é semelhante à servida em diversos países, produzida e entregue pelas mesmas empresas. Essa massificação também acontece no urbanismo. Por meio da chamada notopia, prédios construídos no nordeste brasileiro são como os construídos no Sul do País, replicando projetos de alguma multinacional.

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O fenômeno acaba comprometendo particularidades culturais, climáticas e afetivas de cada região. Por exemplo, um prédio muito iluminado faz sentido em locais com pouco sol, mas a lógica não se aplica a espaços muito iluminados.

Conheça mais sobre o conceito de notopia e entenda o que está em jogo.

A notopia tem um traço democrático

Em 1998, o filme Central do Brasil antecipou o conceito de casas populares que foi expandido pelo Minha Casa, Minha Vida. (Fonte: Filme Central do Brasil/Reprodução)
Em 1998, o filme Central do Brasil antecipou o conceito de casas populares que foi expandido pelo Minha Casa, Minha Vida. (Fonte: Filme Central do Brasil/Reprodução)

Janelas em fita podem ser bem-vindas no Sul do Brasil, onde a luminosidade e a temperatura são menores que em regiões tropicais. Já locais mais quentes podem ter cobogós, que permitem arejar o ambiente e ao mesmo tempo criar sombra.

Diante disso, é inevitável questionar: como é possível que casas e condomínios tenham a mesma planta em regiões diferentes? A resposta é que, se a experiência de moradia tem vinculação com o território (clima, tradições), o mesmo não se pode dizer das ações de grandes empreiteiras, que homogeneizam a atuação em diferentes locais.

A perda da identidade local causada por um urbanismo que ignora suas particularidades foi definida pelo periódico Architectural Review como notopia e se aplica até mesmo a residências de classe média alta. Casas populares permitem customização maior, em que se pode construir um segundo andar na laje, uma cobertura nos fundos ou uma garagem, tornando a arquitetura mais orgânica; já condomínios mais ricos operam sob uma prescrição mais intensa.

A arquitetura é construída e constrói a história

Casa do Rio Vermelho, de Jorge Amado e Zélia Gattai, fala de um passado em que havia espaço para ambientes carregados de história. (Fonte: Bernard Barroso/Shutterstock)
Casa do Rio Vermelho, de Jorge Amado e Zélia Gattai, fala de um passado em que havia espaço para ambientes carregados de história. (Fonte: Bernard Barroso/Shutterstock)

Quando Gilberto Freyre escreveu Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, na década de 1930, propôs uma interpretação do Brasil por meio das formas de moradia de senhores e escravos, ou de ricos e pobres, em um País que se urbanizava e trocava as lavouras pelos primeiros centros urbanos. 

A moradia também foi registrada com ironia e lirismo por Cartola no samba “Escurinha”: “quatro paredes de barro, telhado de zinco, assoalho de chão: só tu, escurinha, é quem está faltando no meu barracão”. Já na década de 1970, o compositor abordou o processo de ocupação de áreas favelizadas no Rio de Janeiro.

Ambas as obras ilustram como as casas carregam os contornos da história e da sociabilidade e são produtos espontâneos do corpo social. Há, portanto, uma ideia subjacente de que a moradia abriga relações sociais de certo tempo — tanto as cria quanto as perpetua. 

As habitações notópicas, no entanto, desvencilham-se de qualquer processo de significação, enraizamento e pertença. Em troca, oferecem às residências a liberdade de escolha da fábrica fordista: o cliente pode ter um carro da cor que quiser, desde que seja preto. Igualmente, a notopia prescreve às cidades um comportamento único e aos cidadãos, uma forma massificada de experimentá-las. Se havia temor de que o comunismo propiciasse isso ao mundo, foi o próprio capitalismo que se tornou capaz de homogeneizar as formas de vida urbana.

Por isso, a falta de criatividade e de conceito das construções replicáveis joga terra sobre as histórias comunitárias e o vínculo com o território. Daí por que a notopia é um fenômeno a ser confrontado.

Fonte: Just Watch, ArchDaily, CAU Paraná, ADS

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