A perspectiva de caminhar ou pedalar para qualquer atividade na cidade de 15 minutos pode esconder problemas de acessibilidade
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Criado pelo professor Carlos Moreno, da Sorbonne, e popularizado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, o conceito de “cidade de 15 minutos” está atraindo entusiastas em todo o mundo. Ele propõe um planejamento urbano em que todas as atividades podem ser realizadas caminhando ou pedalando, com nova distribuição de serviços e incentivo à mobilidade ativa.
Mas será que esse modelo leva em conta as necessidades das pessoas que têm dificuldade para caminhar ou pedalar? Essa é a reflexão proposta pela ativista Anna Zivartis, diretora da iniciativa Disability Mobility Washington e deficiente visual. Segundo ela, os planejamentos urbanos focados na caminhabilidade podem ser muitas vezes excludentes com as pessoas com deficiência (PCDs).
Deixar de perder horas no trânsito para trabalhar ou estudar é uma ideia extremamente atrativa. Mas será que a velocidade é um fator mais importante do que a acessibilidade? Para uma pessoa jovem e sem deficiência, pode parecer fácil se locomover por todas as calçadas, atravessar ruas em todo lugar, bem como pedalar ou usar patinetes para ir aos locais mais distantes.
Portanto, uma cidade assim, de 15 minutos, é realmente mais simples para essas pessoas. Por outro lado, um buraco em uma calçada ou a falta de uma rampa para atravessar a rua pode simplesmente impedir a locomoção de um cadeirante, de um idoso que usa bengala ou de um deficiente visual — seja em 15 minutos ou em 2 horas.
Zivartis, que mora em Seattle, cita o exemplo de uma colega de sua iniciativa que não tem uma calçada entre sua casa e o ponto de ônibus mais próximo. Por isso, ela precisa recorrer ao serviço de transporte especial para PCDs — que, infelizmente, demora mais do que o coletivo comum. Fatores como esse costumam ficar em segundo plano em vários planejamentos para cidades de 15 minutos.
Além de problemas de acessibilidade, é importante considerar também a desigualdade socioespacial. Há uma infinidade de regiões que já se encaixam no conceito de cidade de 15 minutos. Em seu artigo, Zivartis cita os bairros Capitol Hill (em Seattle) e Park Slope (no Brooklyn).
No Brasil, quem mora em Pinheiros (São Paulo) ou Leblon (Rio de Janeiro), no Batel (Curitiba) ou Moinhos de Vento (Porto Alegre) talvez já viva em um cenário semelhante. Porém, todos esses exemplos estão entre os metros quadrados mais caros do país.
Os planos diretores de diversas cidades estão começando a levar esses aspectos em conta, propondo moradias populares em regiões centrais e levando mais serviços para bairros periféricos, criando novas distribuições do espaço urbano. Contudo, é preciso tomar cuidado para que essas iniciativas não resultem em gentrificação, excluindo de novo as pessoas que deveriam ser incluídas na dinâmica urbana.
Essa desigualdade socioespacial atinge duplamente as pessoas com deficiência. As PCDs têm dificuldade de circular em lugares que, às vezes, não têm qualquer tipo de calçada. Por isso, podem passar horas esperando um ônibus acessível, uma vez que a oferta de transporte público costuma ser menor em regiões periféricas.
Isso afeta as chances que essas pessoas têm de estudar ou arranjar emprego, mantendo-as ainda mais longe dos bairros onde tudo está a 15 minutos de distância.
Essas reflexões levam a alguns alertas importantes. Em primeiro lugar, é essencial considerar os vários modos de se locomover, além da caminhada ou pedal: cadeira de rodas, scooters motorizados, muletas, bengalas para cegos ou idosos, cães-guia.
Além disso, a acessibilidade precisa estar integrada ao transporte coletivo. Por fim, o conceito de 15 minutos precisa ser democratizado, já que as pessoas que mais precisam dele não estão nos bairros mais nobres das grandes capitais.
Fonte:Bloomberg CityLab, WRI Brasil, Estadão Economia.