Como as cidades podem ser mais amigáveis para autistas?

6 de março de 2023 7 mins. de leitura

Veja como as cidades podem vencer a vocação ao excesso de barulho e de estímulos e ser mais acolhedoras para autistas

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Aos poucos, as pautas de pessoas com deficiência (PcD) vêm conquistando espaços importantes e mudando a forma como a sociedade lida com essa parcela da população. No Brasil e no mundo, diversas leis foram aprovadas para deixar cidades, transportes e espaços públicos mais acessíveis.

Porém, muita gente ainda pensa na acessibilidade apenas como rampas e escrita em braile em pontos específicos. Essa ideia acaba invisibilizando indivíduos com uma gama de deficiências não visíveis, como as pessoas com transtorno do espectro autista. Agora que a discussão sobre saúde mental está mais em voga do que nunca, como podemos pensar uma cidade mais amigável para autistas?

O que é autismo?

Segundo o Ministério da Saúde, o transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio de neurodesenvolvimento cuja causa ainda é investigada, mas parece vir de uma interação entre fatores genéticos e ambientais. A condição causa manifestações comportamentais atípicas, déficits na comunicação e na interação social, além de comportamentos repetitivos e estereotipados.

Os primeiros sinais do transtorno surgem durante os primeiros meses de vida, porém o autismo normalmente é diagnosticado entre o segundo e o terceiro ano de vida. No geral, crianças apresentam alguns sinais característicos como:

  • não fazer contato visual ou fazê-lo muito raramente;
  • não gostar de ser tocadas;
  • ter interesse por objetos que não interessam outras crianças;
  • realizar brincadeiras de formas diferentes de crianças em idade similar;
  • não desenvolver ou desenvolver muito pouco a fala até os 2 anos.

De acordo com o Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, as manifestações de TEA podem se dar em três níveis. O primeiro designa pessoas com o transtorno que precisam de pouca ajuda para realizar as atividades da vida diária, como comer, tomar banho e trocar de roupa.

No nível dois, a pessoa precisa de ajuda e acompanhamento maiores. O terceiro grau, considerado severo, designa quem precisa de ajuda constante para realizar as atividades fundamentais da vida.

Apesar dessa classificação, a necessidade de suporte pode variar, principalmente de acordo com o momento.

Pessoas autistas são atraídas por estímulos que não chamam a atenção da maioria da população.  (Fonte: Pexels/Reprodução)
Pessoas autistas são atraídas por estímulos que não chamam a atenção da maioria da população. (Fonte: Pexels/Reprodução)

Autismo e cidades

Pessoas com transtorno autista podem apresentar hipersensibilidade a estímulos, que são comuns a pessoas neurotípicas, e reagir de maneira ansiosa, com medo e até agressividade. Muitas vezes, essas pessoas se sentem atraídas por estímulos que passam despercebidos pela maioria, como texturas, sons e cheiros, e podem ter dificuldade de lidar com as emoções. Além disso, podem não perceber e comunicar sensações (dor, fome e cansaço, por exemplo) com facilidade, o que pode levar a irritabilidade.

Esse breve resumo de TEA e dos sintomas causados serve para balizar a discussão de como as cidades podem ser mais amigáveis para autistas. Dadas todas as restrições relacionadas, será que uma grande cidade, com a multiplicidade de estímulos característica, pode ser um lugar acolhedor? A resposta é “sim”, e algumas cidades do mundo mostram como.

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Autismo e legislação

Em primeiro lugar, é importante planejar o que servirá de base. Em 2012, a Lei Federal Berenice Piana (nº. 12.764) foi aprovada e passou a identificar toda pessoa autista como pessoa com deficiência (PcD). Assim, autistas têm os direitos previstos nas leis federais e locais, como prioridade em filas dos mais diversos estabelecimentos, utilização de assentos prioritários e pagar meia entrada em eventos.

Essas medidas são fundamentais porque garantem a autistas e acompanhantes (ou cuidadores) a possibilidade de ficarem menos tempo expostos ao excesso de estímulos comuns em ambientes fechados e com fila.

Algumas cidades brasileiras também têm leis que obrigam que 5% de brinquedos em parques de diversão e outros estabelecimentos voltados ao público infantil sejam adaptados a PcD. O reconhecimento dos direitos prioritários a autistas faz que essas pessoas possam ter acesso às cidades, passar menos tempo em filas e poder escolher o horário de usar o transporte público gratuito. Isso pode ser a diferença para um autista sair ou não de casa.

Vale lembrar que uma lei federal de 2020 obriga que o laço colorido, símbolo internacional do autismo, seja colocado nas placas de atendimento prioritário. Isso é importante para não causar constrangimento e mostrar que nem todas as deficiências são visíveis.

Símbolo internacional do autismo. (Fonte: Pixabay/Reprodução)
Símbolo internacional do autismo. (Fonte: Pixabay/Reprodução)

Treinamento para equipes

Uma pesquisa do International Board of Credentialing and Continuing Education Standards (IBCCES) realizada com famílias norte-americanas mostrou que 87% das pessoas com autismo não viajam devido à condição. Além disso, 97% das famílias se dizem insatisfeitas com a maneira como as opções de destino tratam os autistas.

Para reverter esse quadro é fundamental realizar treinamentos constantes com equipes, seja em estabelecimentos turísticos, seja com funcionários que atendam ao público em pontos turísticos. Ter “bom coração” e paciência não é suficiente para atender às demandas de pessoas com TEA, então uma equipe bem treinada e acolhedora pode transformar a experiência de férias de toda a família.

Adaptação de estabelecimentos

No Brasil, diversos clubes de futebol estão tomando medidas para tornar mais acolhedor o esporte que é a paixão nacional. Várias torcidas de clubes, como Corinthians, Londrina, Náutico e Coritiba, estão se empenhando para deixar mais agradável a experiência de assistir a um jogo de futebol.

Setores específicos da torcida são destinados a pessoas autistas, onde os torcedores são aconselhados a fazer menos barulho. O Coritiba inaugurou um camarote de acomodação sensorial destinado a pessoas com autismo, oferecendo condições acústicas, térmicas e de iluminação otimizadas para garantir conforto e bem-estar a elas.

Adaptações de cidades

Em Sonoma, nos Estados Unidos, um centro habitacional voltado a pessoas com autismo foi desenvolvido. Ele abriga residências, centro comunitário, piscina e uma fazenda urbana, tudo feito com especificações para mitigar a sobrecarga de estímulos. Para isso, a arquitetura e os móveis têm linhas claras, e os espaços entre as construções são amplos e bem delimitados. As construções têm tratamento acústico que reduz ruídos, e a iluminação, o aquecimento e até a ventilação são especiais.

Outra grande mudança que está em discussão em todo o mundo e que pode beneficiar autistas é a eletrificação de veículos. Como sabemos, carros a combustão são a principal fonte de poluição nas cidades, e a substituição deles por opções elétricas parece ser apenas questão de tempo. Se essa medida for consolidada, a poluição sonora dos grandes centros urbanos será reduzida drasticamente.

Quando as cidades se adaptam para ser mais acolhedoras para uma minoria, todos saem ganhando. Calçadas melhores beneficiam idosos, assim como qualquer cidadão; uma sinalização melhor para deficientes visuais ajuda a todos; e uma cidade mais silenciosa e com arquitetura urbana voltada para autistas também é um ganho para a população em geral.

Quer saber mais de mobilidade urbana? Assista aqui à opinião e à explicação de nossos parceiros especialistas sobre o assunto.

Fonte: Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde do Paraná, Autismo e realidade, Estadão

Inovação Sebra Minas, Inova Social, Sindepat

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