Pessoas devem estar no centro do planejamento urbano para que a conexão com as cidades seja maior e, assim, a qualidade de vida aumente
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Mais de 80% da população brasileira vivem em cidades, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo que 21% moram em metrópoles com mais de 1 milhão de pessoas. Essas cidades reúnem espaços públicos e privados, de moradia, lazer e trabalho, que são conectados pelas vias públicas e por modais de transporte que servem como “linhas de costura” para unir todo o tecido urbano.
Além da conexão entre os lugares, é importante que as pessoas possam se conectar ao local. Considerando que os automóveis particulares moldaram a construção das cidades, ao longo do século 20, essa conexão fica comprometida. Como devem ser as cidades para que os moradores se conectem verdadeiramente com elas e se sintam parte daquele ambiente?
Esse é um dos principais temas do Summit Mobilidade Estadão, que acontecerá em 31 de maio de 2023. A seguir, confira algumas reflexões sobre esse tema.
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Com a construção de inúmeras cidades privilegiando o transporte particular por automóveis, surgiram críticas a esse modelo. Da jornalista americana Jane Jacobs, nos anos 1960, ao urbanista dinamarquês Jan Gehl hoje, diversos autores se dedicaram a analisar como a composição das cidades influencia a conexão das pessoas com elas.
Isso passa por conceitos como caminhabilidade, incentivo ao uso de transporte público e mobilidade ativa. Também é importante compreender a cidade e as relações dela em um contexto geral, quase como se a metrópole fosse um organismo vivo. Isso é o que molda a identidade do local e cria uma conexão pessoal.
Em um artigo de 2017, a professora da Curtis University (na Austrália) Reena Tiwari listou os três principais aspectos para analisar a conexão entre cidades e pessoas.
Os dois primeiros pontos são importantes para criar cidades vibrantes, com pessoas trabalhando, estudando, locomovendo-se e realmente vivendo nos espaços. Já a relação entre os dois últimos é importante para que a cidade seja integrada, permitindo que diferentes regiões e os habitantes se conectem.
Sendo assim, além de ser compacta, caminhável e com bom transporte público, uma cidade conectada precisa ter diversidade demográfica, com espaços de uso misto e variedade de pessoas utilizando esses locais. Além disso, é claro, é importante que as pessoas possam transitar pela cidade de forma segura e eficiente.
Compreendendo como a conexão entre cidades e pessoas é construída, é possível procurar estratégias para melhorá-la.
As áreas urbanas de uso misto — que mesclam residências, empresas e espaços públicos — contribuem muito para a conexão entre cidades e pessoas. Afinal, os habitantes podem encontrar tudo de que precisam em espaços reduzidos, diminuindo a necessidade de grandes trajetos e do uso de automóvel próprio.
Essa ideia está presente nos novos e elogiados conceitos de “cidades de 15 minutos“, como em Paris (França), mas também em ideias antigas. O ônibus de trânsito rápido (BRT) de Curitiba (PR), por exemplo, é conhecido pelas vias exclusivas e estações-tubo, mas também é baseado em eixos de transporte com vias de alta densidade demográfica, com comércios no térreo e moradias ou escritórios acima.
Como Gehl descreve em estudos, as pessoas tendem a andar mais rápido e se dissociar de espaços muito vazios e inativos. Construções enormes contribuem para essa sensação de vazio, enquanto casas, praças e locais menores geram uma sensação mais positiva.
É possível promover essa escala humana em construções de alta densidade, como prédios, mantendo fachadas ativas. Calçadas, janelas, vitrines e outras conexões entre o interior e o exterior no nível térreo dos prédios são maneiras de fazer isso.
Os espaços públicos devem servir para agregar as pessoas, e não as distanciar. A organização Project for Public Spaces (PPS) argumenta que um bom espaço público deve ter ao menos dez possibilidades ou motivos para existir, se não se torna um mero local de passagem.
A iluminação, as áreas verdes, a acessibilidade e os mobiliários urbanos são apenas alguns dos fatores que contribuem para que os espaços públicos sejam realmente agregadores. O bom uso das ruas, das calçadas, das praças e dos parques faz que a cidade se torne mais viva e os habitantes consigam se conectar com ela.
Por fim, também é importante que as pessoas possam imprimir identidade na cidade em que vivem, participando ativamente da economia, de manifestações culturais e das decisões administrativas que modificam o local.
Para isso, é importante incentivar a economia e desenvolver políticas públicas de acesso à cultura, bem como a participação cidadã no poder público.
Existem muitos exemplos práticos dessas melhorias na conexão entre cidades e pessoas — inclusive com aplicações aqui no Brasil —, mas também há muito o que evoluir nessa área, afinal muitas cidades ainda privilegiam o transporte particular. Isso evidencia a necessidade dos debates sobre o tema, como o que deve ocorrer no Estadão Summit Mobilidade.
Fonte: The Conversation, The City Fix, The Guardian, IBGE (via Projeto Colabora), Instituto WRI Brasil