As relações entre segurança no trânsito e violência policial

2 de outubro de 2020 4 mins. de leitura

Como um modelo de segurança centrado no carro e que desconsidera pautas identitárias pode levar a casos de racismo

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No fim de agosto deste ano, o jovem norte-americano Dijon Kizzee foi morto pela polícia dos Estados Unidos após ser parado por uma infração de trânsito enquanto pedalava. Em entrevista à Bloomberg, um tenente do Departamento do Los Angeles County Sheriff, onde aconteceu o assassinato, diz que o rapaz teria deixado uma muda de roupa cair. Ao ver que havia uma arma no meio, a polícia atirou. Foram 19 tiros.

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O fato gerou protestos e colocou em xeque um padrão de abordagem policial comum não apenas nos Estados Unidos: uma pessoa negra é parada na rua por uma infração leve e acaba presa ou morta, como Kizzee e outros jovens cujo assassinato foi amplamente divulgado pela mídia internacional, como Philando Castile, Sandra Bland e Walter Scott.

“Que violação de bicicleta é tão grave que os policiais precisaram atirar em Dijon tantas vezes? Se ele largou uma arma, por que foi baleado?”, twittou a congressista Karen Bass pouco depois do ocorrido.

Para Gregory Shill, professor de Direito da Universidade de Iowa, o problema começa quando a segurança no trânsito é centrada no uso do carro e monitora de maneira excessiva aqueles que caminham e pedalam. Isso acaba punindo principalmente pessoas negras e pobres, que dependem mais de caminhadas e ciclismo para se locomoverem.

Visão zero em debate

Polícia está entre os principais agentes da implantação de políticas da chamada Visão Zero. (Fonte: Shutterstock)
Polícia está entre os principais agentes da implantação de políticas da chamada Visão Zero. (Fonte: Shutterstock)

Outro debate que veio à tona com a morte de Kizzee foi a efetividade da chamada Visão Zero como estratégia de segurança de trânsito que contemple todos os atores sociais, independentemente de raça, gênero e classe social. Trata-se de um movimento global iniciado na Suécia e que visa fomentar melhorias na engenharia de tráfego, na educação e na fiscalização das ruas com base na premissa de que nenhuma morte no trânsito é aceitável.

O Visão Zero tem sido aplicado em todo o mundo. Em Buenos Aires (Argentina), por exemplo, ajudou a reduzir o número de mortes no trânsito em 33%. O problema, segundo pesquisadores, é que, por depender muito da ação policial, pode levar a um modelo injusto de mobilidade urbana se a atenção às disparidades raciais não for levada em conta na aplicação da estratégia. “É por isso que dizemos que a segurança no trânsito é uma questão racial”, twittou Caro Vera, planejadora de transporte que trabalha no centro-sul de Los Angeles.

Por que pensar a mobilidade para os pedestres

Para o pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) Rabi Abonour, que analisou as relações entre o Visão Zero e o preconceito racial, uma variedade de fatores impede que as preocupações com a equidade sejam totalmente refletidas nos planos do programa. Entre eles estão restrições de recursos e membros da força-tarefa emocionalmente desequilibrados.

“Elaborar um plano Visão Zero forte exige tempo, dinheiro e vontade política. As cidades não devem fugir do desafio. Esse trabalho é muito importante para não ser feito direito”, disse Abonour em entrevista ao blog Alta Planning.

Mudanças para o pós-pandemia

Em meio à atual crise sanitária que tem impulsionado a reestruturação de diversas cidades para a mobilidade ativa, com a abertura de calçadões e ciclovias, os reajustes na forma de fiscalização do trânsito são especialmente importantes.

Para urbanistas como Tamika Butler, que também é consultora de equidade racial nos Estados Unidos, abrir a cidade para as pessoas requer um olhar sensível para enfrentar as desigualdades e contradições que ainda existem no espaço urbano. “O assassinato de Dijon nos lembra que, até que promulguemos amplas reformas na cidade, tudo é apenas um exercício filosófico”, disse em entrevista à Bloomberg.

Fonte: CNN, BBC, Los Angeles Times, Bloomberg

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