Novos modelos de urbanismo devem ser pensados por conta da pandemia, afirmam urbanistas Bruno Padovano e Geovany da Silva
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A facilidade de conexão entre centros urbanos ampliou a possibilidade de contágio de doenças. Isso pode ser percebido em diferentes epidemias globais, como a Grande Peste no século 14, a gripe espanhola no século passado e, mais recentemente, as pandemias de influenza e covid-19.
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Para aprimorar a compreensão das relações entre surtos globais e cidades, o Summit Mobilidade entrevistou os urbanistas Bruno Padovano, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), e Geovany da Silva, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Confira o que os especialistas disseram sobre pandemias e modelos de urbanismo.
Ao planejar uma cidade, os urbanistas têm de pensar em vários aspectos do funcionamento dos espaços, incluindo questões de saúde. “O urbanismo é uma ciência voltada à organização dos espaços públicos e privados de cidades, por isso tem relação direta com todas as demais áreas, inclusive a saúde pública”, explicou Padovano.
Nesse sentido, sabe-se que o planejamento das cidades influencia a dinâmica do novo coronavírus. “Ao longo dos séculos, inúmeros surtos epidêmicos e mesmo pandêmicos, ocorridos em cidades e no campo, mereceram medidas corretivas por parte dos urbanistas”, afirmou Silva.
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O professor da UFPB completou: “Antes, arquitetos, construtores de cidades e engenheiros sanitaristas já haviam tomado providências para o tratamento de água e esgoto, como Saturnino de Brito no Brasil, para diminuir a incidência de surtos epidêmicos em cidades como Santos, que ainda é o município brasileiro mais bem servido em termos sanitários”.
Porém, os especialistas afirmaram que a relação entre cidades e doenças é mais complexa do que pode parecer. Há, por exemplo, um pressuposto de que locais com mais pessoas por quilômetro quadrado estejam mais propensos ao contágio por vetores etiológicos, o que não é necessariamente verdade.
Os urbanistas questionam a relação entre a alta densidade populacional de algumas cidades atingidas e a rápida disseminação da covid-19. Padovano argumentou que ainda não é possível afirmar que altas densidades populacionais correspondam a níveis mais elevados de infecções e mortes.
Há cidades com altas densidades nas quais há aparentemente um controle mais eficiente da propagação de doenças infecciosas, como explicou o professor da USP: “Isso pode estar sendo causado por outros fatores que pouco ou nada têm a ver com o urbanismo, suas densidades ou o grau de isolamento social adotado”.
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Hong Kong, Guangzhou (China), Seul (Coreia do Sul) e Tóquio (Japão) estão entre as cidades mais densas e populosas do mundo, mas parecem estar contendo bem a pandemia. “Já as cidades norte-americanas, as mais dispersas e ricas do mundo, enfrentam problemas sérios de contágio nos Estados Unidos”, comentou Silva.
É arriscado fazer a correlação entre urbanização e grau de contágio, afirmou o professor da UFPB. O clima, por exemplo, também poderia ser uma condicionante: “No Brasil, a região mais afetada até o momento foi Manaus, de clima tropical quente e úmido e pouco vento”. Portanto, além da densidade populacional, fatores ambientais, culturais e políticos podem contribuir de forma decisiva na determinação do nível de contágio de uma doença.
Depois da pandemia de covid-19, deve haver uma grande mudança no pensamento em como as cidades devem ser planejadas. “Modelos terão que ser repensados, inventados”, afirmou Padovano, por isso a necessidade de estudos comparativos transdisciplinares é tão necessária.
“Continuamos a aplicar conceitos urbanísticos genéricos como a ‘cidade moderna’, o ‘novo urbanismo’, a ‘cidade dispersa’, a ‘cidade compacta’ e a ‘cidade inteligente‘ como se fossem universalmente válidos”, explicou Padovano. O professor da USP lembrou que essa é uma hora excelente para que a teoria e a prática do urbanismo sejam estruturadas sob uma base científica mais sólida e menos aberta a achismos e avaliações subjetivas.
Para Padovano, o modelo ideal de cidade se encontra no meio termo: nem denso demais nem disperso demais, integrando cidade e campo, como na Cidade Mundial do urbanista grego Constantínos Doxiádis. “Mas isso após a realização de pesquisas e mais pesquisas científicas, com mais certezas e menos dúvidas”, defendeu.
O que muda no cenário das cidades após a pandemia?
Um grande trabalho científico se faz necessário para ações de curto, médio e longo prazos, com efeitos benéficos para a tríade de fatores básicos da sustentabilidade: econômico, social e ambiental, conforme defendeu Silva: “Somos uma sociedade urbana e teremos que encontrar meios de enfrentar a pandemia sem abrir mão do convívio social no futuro, mesmo que seja por meios digitais”.
Fonte: Bruno Padovano, Geovany da Silva
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