As crises anteriores podem ajudar a entender as tendências sobre o futuro do atual modelo de transporte público
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As empresas operadoras de transporte coletivo em todo o mundo estão diante de um dilema: o modelo só é viável com alta adesão de passageiros e com subsídio estatal. E, em meio à pandemia, ambas as receitas estão reduzidas, seja porque a covid-19 afasta as pessoas de ônibus e metrôs, seja porque o estado enfrenta uma crise financeira que ameaça o modelo tradicional de financiamento.
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Mas o setor enfrentou outra crise recente que pode ajudar a entender as tendências para o pós-covid: em 2008, embora não houvesse uma crise sanitária, a recessão econômica impactou a oferta de transporte coletivo. Entender o último ciclo pode ser vital para enxergar a forma como os atores envolvidos devem responder à crise atual.
A crise que o sistema de transporte enfrenta diante da pandemia exige uma revisão completa do modelo de transporte atual. (Fonte: Rogerio Cavalheiro / Shutterstock)
As mudanças de hábito no deslocamento urbano apontam, em pequena medida, para um fortalecimento da ciclomobilidade e, em tendência mais geral, para o reforço do modelo centrado no carro particular. Mesmo os aplicativos de carona têm perdas que, em alguns casos, chegam a 80%.
O Summit Mobilidade 2020, realizado em 12 de agosto deste ano, com o tema “inovar para incluir”, reuniu diversos especialistas em painéis temáticos sobre as tendências para o próximo período.
Um deles, relacionado às possibilidades de diversificar as opções de deslocamento, debateu essa temática e contou com a presença de Luis Valença, presidente da CCR Mobilidade (divisão de mobilidade do Grupo CCR), que apresentou o panorama do ponto de vista empresarial.
Segundo Valença, a empresa conseguiu renegociar compromissos com credores e reduziu a oferta de transporte, mas a longo prazo o Estado e as empresas devem repactuar a forma de oferta e financiamento dos modais para os passageiros.
Também convidado para esse painel, o vereador José Police Neto, de São Paulo, mostrou-se preocupado quanto ao futuro do transporte na cidade: ele entende que é necessário criar uma nova forma de organizar os deslocamentos na cidade que não impacte a qualidade do serviço, não onere o Estado e não signifique tributar ainda mais o cidadão. Por isso, há um impasse aparentemente sem solução, que convida a olhar para outros gargalos encontrados ao longo da história.
Após a recessão de 2008, diversas empresas de transporte diminuíram a disponibilidade de veículos para não quebrarem. Os dados apontam que a oferta não voltou mais ao padrão anterior, incorrendo em uma piora brusca dos pontos de vista quantitativo e qualitativo, tornando o modal compartilhado menos atraente à população.
Uma pesquisa de 2009 da American Public Transportation Association revelou que 60% das linhas de ônibus estadunidenses tinham cortado veículos e adaptado as rotas. Em Nova York, Miami e Los Angeles, algumas das principais cidades do país, essa redução não foi recuperada ao longo dos anos seguintes e apontou para uma precarização do serviço.
O Departamento de Saúde Pública da Califórnia percebeu algo semelhante. Um estudo de 2013 revelou que, entre 2009 e 2011, a AC Transit reduziu em 15% a oferta de veículos. Em torno de 77% dos passageiros transportados pela operadora de ônibus local eram negros e relataram que dependiam diretamente desse transporte para ir ao trabalho. Segundo os usuários, a piora no atendimento do serviço impactava a jornada e a remuneração do trabalho, pois implicava em atrasos.
Existe uma tendência no transporte coletivo que alerta para uma mudança significativa na forma de se deslocar cotidianamente: é provável que os ônibus e os metrôs não sejam suficientes para darem conta da demanda integral de transporte dos passageiros, como já acontece hoje na maior parte dos casos.
Caso isso se confirme, serão necessárias alternativas que diversifiquem os modais de deslocamento e façam com que eles dialoguem entre si. Assim, os passageiros não farão seu trajeto apenas com ônibus e metrôs convencionais, mas também ônibus sob demanda, bicicletas compartilhadas ou mesmo caronas de aplicativos que, sob uma forma que ainda carece de regulação, sejam integrados quanto a horários, fluxos e formas de pagamento.
Um exemplo vem da Prefeitura de Fortaleza: lá, quase toda a cidade está marcada por ciclovias que permitem pedalar de forma fácil, segura e funcional. Além disso, há uma conexão entre o transporte coletivo e as bicicletas compartilhadas em parceria entre a Prefeitura e uma operadora. Assim, quem sai de um veículo do transporte coletivo pode complementar seu trajeto com as bikes sem custo adicional.
As bicicletas se distribuem em dezenas de postos fixos, ao longo das principais regiões da cidade. Dessa forma, permite-se ao transporte coletivo que seja complementado pela mobilidade ativa, melhorando a experiência com a cidade, promovendo saúde e não agredindo o meio ambiente.
Fonte: Bloomberg, The City Fix.
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