Histórico de políticas segregacionistas pode comprometer acesso à cidade principalmente nas grandes metrópoles
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Pouco antes da inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek se deparou com uma dificuldade: a ideia de estabelecer zonas específicas para cada área da nova capital se chocava com a organicidade daquele cenário. Pessoas de todo o Brasil chegavam para erguer o ousado projeto, tomando-o também como propósito de vida, então era preciso abrigar os sonhadores, que não raro carregavam apenas a roupa do corpo.
No livro Por que Construí Brasília, JK revela não querer comprometer o desenho urbano estabelecido, mas onde aquelas pessoas morariam, se a nova cidade não previa espaço para elas? Em seu relato, o então presidente registra a decisão tomada: “Contemplei aquela massa humana; avaliei o volume dos sem-casas; e respondi também à feição dos pioneiros: ‘Está bem, pessoal. Que cada um faça sua casa, mas nada de invadir o Plano Piloto'”. Assim nasceram as cidades-satélites em zonas periféricas e distantes do centro.
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Isso exemplifica como o planejamento urbano e a ideia de zoneamento consolidada ao longo do século 20 podem marginalizar a classe trabalhadora quando não se parte de uma perspectiva inclusiva.
Já no fim do século 19, demoliram-se cortiços em todo o Brasil em nome de princípios sanitários sem que houvesse uma política adequada para atender à população desabrigada.
É possível ver hoje que a desigualdade socioespacial impera até mesmo no que diz respeito à oferta de transporte público. Em muitas regiões nobres de grandes capitais sequer há linhas de ônibus, metrôs ou trens; é como se quem não tivesse carro não fosse mesmo bem-vindo ali — e possivelmente não seja mesmo.
O planejamento urbano centrado no carro merece atenção. Enquanto em meados do século passado moradias populares foram desapropriadas para a construção de amplas vias para a circulação de veículos particulares em metrópoles brasileiras, o carro popular era um sonho impossível para a maior parte da população.
Segundo o site de urbanismo Caos Planejado, em 1960 o veículo mais barato custava cerca de 250 vezes a renda de quem estava no piso da pirâmide social. Em regiões distantes do centro, os pobres ficavam ilhados com dificuldades de acessar muitos serviços.
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O planejamento urbano carrocêntrico também passa pela ampliação de áreas destinadas a estacionamentos. A exigência da construção de vagas para carros em novos empreendimentos passou a ser comum em planejamentos de grandes cidades brasileiras, sobretudo na segunda metade do século passado.
Segundo o Caos Planejado, isso passou a ser especialmente incômodo porque obrigou moradores e consumidores a arcarem com o custo de armazenamento do automóvel mesmo quando não estavam fazendo uso dele. Além disso, a mobilidade centrada no carro particular é mais cara, e raramente a tarifa cobrada para estacionar em vias públicas é maior do que a tarifa de ônibus, como mostram estudos.
O planejamento que empurra os pobres para as bordas também leva ao déficit habitacional e à especulação imobiliária. Um estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), dirigido pelos pesquisadores Ricardo Carvalho de Andrade Lima e Raul da Mota Silveira Neto, estima que restrições de zoneamento podem gerar até 6,3% de aumento no preço dos aluguéis de uma cidade.
Outro problema comum nesse cenário são áreas centrais recebendo mais melhorias do que as regiões periféricas, o que as torna cada vez mais caras e inacessíveis aos mais pobres. Um levantamento da organização Nossa São Paulo indicou que os bairros ricos da capital paulista podem receber até quatro vezes mais investimentos que os demais.
Por todo esse histórico, é fundamental aprender com o que já se construiu para planejar cidades mais justas. A desigualdade socioespacial só será enfrentada com uma análise crítica e eficiente dessa realidade.
Fonte: Senado, Caos Planejado, Biblioteca Digital FGV, PUC-SP
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