Como preservar prédios históricos sem afetar o acesso à cidade?

16 de outubro de 2021 4 mins. de leitura

Debate sobre preservação histórica frente à necessidade de modernização das cidades toma conta de diversas regiões dos Estados Unidos

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Os prédios históricos são muito importantes para a identidade de uma cidade, com seu visual marcante. Em muitos casos, quarteirões e até bairros inteiros se tornam áreas de preservação histórica para manter suas características originais. Por outro lado, muitas vezes esforços para preservar essa arquitetura prejudicam o desenvolvimento dessas regiões e, em última instância, até o acesso à cidade por alguns grupos sociais. 

A preservação apenas pela preservação, por vezes estendidas a distritos inteiros — isto é, sem estudos cuidadosos de quais prédios históricos serão tombados e por quê —, pode gerar uma escassez de imóveis, elevar os custos de moradia e, por consequência, causar um processo de expulsão das classes menos abastadas dessas regiões. 

Além disso, projetos de tombamento indiscriminados podem manter prédios que nem são tão interessantes para a preservação histórica junto a outros que são muito mais importantes, prejudicando toda a região. Afinal, a preservação demanda recursos financeiros e, para que os recursos existam, é importante existirem também usos residenciais e comerciais nas imediações. 

Casos como os de Seattle (EUA) levantam debate entre preservação e desenvolvimento. (Fonte: City of Seattle/Reprodução)
Casos como os de Seattle (EUA) levantam debate entre preservação e desenvolvimento. (Fonte: City of Seattle/Reprodução)

Debate complicado nos Estados Unidos

A questão da preservação histórica frente aos usos atuais é bastante presente nos Estados Unidos, onde conselhos voluntários de moradores têm o poder de vetar novas construções em bairros tombados. Uma pesquisa do portal de classificados Realtor.com em 2885 casas nesse tipo de bairro mostra que elas custam mais caro, mesmo que não sejam históricas.

Em vista disso, o colunista de urbanismo Scott Beyer afirma que “a preservação histórica em excesso pode comprometer o bom urbanismo”. Já o pesquisador Dan Bertelet dá exemplos práticos disso em Seattle: a cidade deixou de receber um prédio com 200 apartamentos, de acordo com as regras de zoneamento, porque o conselho disse que a construção seria “mais alta que os outros prédios da região”. Para Bertelet, essas atitudes têm relação direta com o aumento de preços e processos de gentrificação nas grandes cidades norte-americanas.

Além disso, sem poder receber novos usos, muitos terrenos ficam simplesmente abandonados, atrapalhando o desenvolvimento local e tornando-se até um risco para algumas localidades.

Nos EUA, muitos prédios em ruínas deixam de receber novos usos pelo tombamento de bairros inteiros. (Fonte: Dan Bertelet/Sightline Institute)
Nos EUA, muitos prédios em ruínas deixam de receber novos usos pelo tombamento de bairros inteiros. (Fonte: Dan Bertelet/Sightline Institute)

O reurbanismo e a situação no Brasil

Por outro lado, há correntes de pensamento afirmando que a ocupação dos prédios históricos sem ceder espaço para novas construções torna os bairros preservados mais dinâmicos. Essas regiões seriam mais receptivas a pequenos negócios, a economia criativa e a lares com maior diversidade de gênero, raça, condição socioeconômica e orientação sexual. Essa é a ideia do reurbanismo, que propõe a preservação junto à renovação.

Algumas medidas sugeridas para possibilitar a preservação sem impedir o desenvolvimento das cidades envolvem descontos em impostos para proprietários que invistam na manutenção de prédios históricos e a venda do potencial construtivo — ou seja, a concessão de outra área para construção, equivalente àquela que poderia ser construída se não existisse algum prédio histórico naquele terreno. Enquanto essas medidas ainda estão sendo debatidas nas cidades dos EUA, elas são uma realidade no Brasil. 

Aqui, há descontos no IPTU e venda de potencial construtivo, embora ainda existam problemas nas iniciativas de preservação: muitos imóveis são abandonados por falta de recursos para sua preservação, por exemplo. Em vista disso, em 2021, foi proposta a criação do Fundo Nacional do Patrimônio Tombado (FNPT), que ofereceria incentivos econômicos mais significativos para os donos desses imóveis manterem suas características originais. 

Em resumo, a questão envolve a ocupação de prédios históricos com novos negócios e novas pessoas, mas sem descaracterizar regiões importantes com construções enormes e modernas sem necessidade. Nesse sentido, cada rua, bairro e cidade precisa de pesquisas específicas e debates com diversos setores da sociedade — e revisão constante do planejamento urbano.

Fonte: Market Urbanism Report, Sighline Institute, The City Fix Brasil.

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