Com a expansão das cidades e a tendência de urbanização e êxodo rural na maioria dos países, vários efeitos colaterais começaram a ser mapeados nos estudos das cidades. Um deles é a conurbação, que é a junção de duas ou mais cidades em uma massa urbana que ultrapassa os limites geopolíticos dos mapas. Esse fenômeno ocorre, em grande parte, pela tendência de marginalização da classe trabalhadora, que habita regiões periféricas e cidades vizinhas aos grandes centros urbanos que concentram a maioria das ofertas de empregos e outros serviços.
Quando o adensamento populacional e de edificações é tão grande em uma área, a visualização da região não consegue representar individualmente as construções. Ao contrário, tudo é visto como uma grande mancha. Esse é o conceito de mancha urbana utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para mapear e representar os maiores aglomerados urbanos do País.
Importância da identificação de manchas urbanas
Identificar as inchaço urbanas é de extrema importância para o governo e até mesmo um meio de salvar vidas. Nos processos de conurbação e de adensamento populacional, grandes contingentes populacionais que são excluídos das políticas habitacionais por falta de poder financeiro e invisibilidade social acabam recorrendo à construção de moradias irregulares.
Além de carecer de falta de infraestrutura que dê dignidade à vida humana, como o acesso a esgoto e água tratada, as moradias “ilegais” representam risco a quem vive nelas e no entorno. A ocupação de áreas impróprias para a construção pode deixar as casas mais suscetíveis a acidentes em casos de desastres naturais e contaminar rios, nascentes e lençóis freáticos, comprometendo a qualidade da água para milhões de habitantes.
Um triste exemplo dos riscos das manchas urbanas foi visto no início deste ano no litoral paulista. As chuvas muito acima da média histórica causaram uma série de enchentes e deslizamentos que vitimaram mais de 65 pessoas e deixaram outras 4 mil desalojadas ou desabrigadas.
Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação já apontava os riscos na região há mais de 13 anos. Segundo o artigo, com o aquecimento global e a tendência de aumento da intensidade das chuvas, boa parte da população da Grande São Paulo e das adjacências estaria sujeita aos riscos.
O estudo aponta que, apenas na Grande São Paulo, área que reúne pelo menos 39 municípios, 2,7 milhões de pessoas viviam em “comunidades, cortiços e habitações precárias, quase sempre ilegais”. Essas áreas apresentam vulnerabilidade para efeitos como inundações, enchentes, inundações com alta energia de escoamento (que poderia carregar pessoas, veículos e casas), enxurradas, lixo lançado nos cursos de água e escorregamento de massas nas regiões de encosta.
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Necessidade de repensar as políticas de moradia
O estudo e o mapeamento das manchas urbanas podem prever o padrão de crescimento das cidades e, com isso, evitar eventuais desastres. Além disso, as análises podem mostrar quais são as áreas já ocupadas mais suscetíveis a problemas desencadeados pela natureza.
Entretanto, mesmo após mapear esses dados, existe a dificuldade de conseguir realocar pessoas que vivem em situação de risco e fazer políticas públicas para evitar que novas ocupações ocorram em áreas similares. A discussão se torna muito mais abrangente e envolve um novo olhar para as políticas públicas de habitação no Brasil.
No caso específico do desastre ocorrido em São Sebastião, em 2023, o prefeito ganhou destaque na mídia nacional ao afirmar que moradores de condomínios de luxo e hotéis de alto padrão impediram o desenvolvimento de um projeto de moradias sociais em uma área próxima. Foi noticiado que os proprietários temiam a desvalorização dos imóveis e fizeram pressão para que o poder público impedisse a construção de um conjunto habitacional que realocaria pessoas de áreas em situação de risco.
A urbanização deve ser problema central para qualquer país nos próximos anos. Atualmente, segundo dados do Banco Mundial, 56% da população mundial vivem em centros urbanos; até 2050, a proporção deve ultrapassar 70%. Com esse crescimento, manchas urbanas, conurbação, gentrificação e outros fenômenos típicos do adensamento populacional continuarão ocorrendo. Se as políticas de moradia não enfrentarem os problemas, cada vez mais vidas estarão em risco, majoritariamente as das parcelas empobrecidas na sociedade, que continuamente seguem tendo direitos negados.
Fonte: IBGE, Inpe, Estadão