Entenda por que a saúde dos entregadores não melhora com os benefícios da bicicleta
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Os serviços de entrega por bicicleta são vistos como empregos sustentáveis e modernos. Mas, para os entregadores, a rotina física extenuante e a pressão inerente ao tipo de trabalho fazem que estejam sujeitos a diversos problemas físicos e mentais. É o que mostra uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP).
O pesquisador Eduardo Rumenig de Souza realizou uma tese de doutorado na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP em que analisou a qualidade de vida de ciclistas entregadores na cidade de São Paulo.
Para ele, esse tipo de serviço precariza a vida dos ciclistas e os deixa vulneráveis a diversos problemas da vida urbana, sem as vantagens e as seguranças que um vínculo empregatício tradicional gera.
Para realizar o trabalho, Souza acompanhou a rotina de cinco entregadores que atuam na capital paulista e utilizou a etnografia como técnica metodológica, que é uma ferramenta criada pela antropologia para descrever e entender a cultura de diferentes povos ou de grupos sociais.
Com o uso dessa metodologia, o estudioso mapeou conceitos e significados que os entregadores atribuem às experiências sociais a que são submetidos. Além disso, mapeou dados quantitativos como os índices de poluição a que os entregadores são expostos e o volume e intensidade dos esforços físicos.
Um dos pontos ressaltados pela pesquisa é o tamanho da pressão sentida pelos entregadores para que as corridas sejam feitas de maneira mais rápida e eficiente. O medo de não conseguir uma renda adequada ou de perder pontos e ser banido das plataformas faz que entregadores aceitem muitas corridas, deixando de fazer pausas para alimentação e hidratação.
A obrigação de ser mais eficiente leva, também, a sobrecarga das bicicletas e a não atenção às regras de trânsito. Isso coloca a saúde e até a vida dos entregadores em risco constante. Apesar disso, o pesquisador notou forte laço de companheirismo entre os entregadores e a ajuda entre eles para enfrentar o dia a dia.
Outra pesquisa realizada pelo departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fez constatações similares. Muitos entregadores trabalham em processos de adoecimento físico e mental, mas sem diagnóstico.
A correria e a pressão por resultados levam a dificuldade e baixa qualidade da alimentação, problemas posturais relacionados à carga excessiva, doenças gastrointestinais e até renais.
Além disso, a ansiedade pela espera por corridas e o estresse do trabalho com constante corrida contra o relógio podem causar uma série de problemas psicológicos.
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Além dos perigos enfrentados no trânsito comum, os entregadores precisam encarar questões de infraestrutura urbana que dificultam o cotidiano do serviço. Apesar de São Paulo ter a maior malha cicloviária do País, diversos trechos apresentam problemas, e muitas outras regiões não têm espaço para ciclovia, o que leva dividir o trânsito com os carros ser um fato comum.
A pesquisa de Souza também mediu os níveis de poluição a que os entregadores são submetidos e achou dados alarmantes. Pessoas em deslocamento ativo chegam a inalar cinco vezes mais poluentes do que as em carros ou ônibus. Vale ressaltar que a pesquisa foi realizada durante o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19, portanto, atualmente, a situação da poluição pode ser pior para os entregadores.
Um relatório realizado pela Aliança Bike demonstrou, com um intervalo de confiança de 90%, que 75% dos trabalhadores que fazem entregas com bicicleta trabalham mais de 12 horas por dia para ter um rendimento mensal médio de R$ 995. Quem trabalha até 5 horas por dia fatura em média R$ 466 e encara o serviço como um “bico” para complementar a renda.
Porém, a facilidade de entrada nos aplicativos acaba sendo uma opção para fugir do desemprego em um momento em que o trabalho formal está cada vez mais difícil de encontrar. Alguns trabalhadores analisados por Souza afirmaram que conseguem rendimentos maiores do que já ganharam com carteira assinada.
Fonte: Jornal da USP, UFF, MTB Brasília, Aliança Bike, Revista Ciência e Saúde Coletiva, Teses USP