Circular pela cidade estimula ócio criativo, aponta psicóloga

12 de setembro de 2023 5 mins. de leitura

Especialista salienta que desenvolver novas experiências, em qualquer lugar que se esteja ou se deseja ir, é um momento de criação

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A mobilidade também pode ser um combustível para a criatividade. Isso porque, ao apreciar a cidade e tudo o que ela oferece, caminhando ou usando algum meio de transporte em que a própria pessoa demande certo esforço para operá-lo, ou mesmo fazendo atividades de lazer, aproveita-se o tempo para oxigenar a mente.

A psicóloga clínica Renate Bergmann (CRP 12/15224) salienta que o ócio criativo vai de encontro com a potência de cada indivíduo. “O ócio criativo não significa não fazer nada, mas sim ir de encontro com possibilidades que podem estar adormecidas em cada um de nós devido às exigências — muitas vezes massacrantes — do nosso cotidiano.”

Bergmann cita o sociólogo italiano Domenico De Masi, que trata do tema em seu livro “O Ócio Criativo” (1995). Para ele, essa modalidade de ócio pode ser fruto de uma combinação harmoniosa entre três esferas da vida: o trabalho, o estudo e o lazer

Considerando a análise de De Masi, Bergmann explica que o tempo deve, então, ser preenchido com ações escolhidas por vontade própria e não por aquelas que nos sejam impostas. “Para De Masi, o futuro é que o trabalho não seja uma obrigação, mas sim que as novas ideias de organização capitalista devem abarcar outras com reflexão, estudo e serenidade, e que a sociedade possa fundamentar-se no tempo livre, exercendo o cérebro e a criatividade”, detalha a psicóloga.

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A psicóloga discorre que exercer a criatividade através do ócio tem sido cada vez mais desafiador em um contexto no qual as pessoas se veem com altas quantidades de demandas, sejam elas no trabalho, nas relações interpessoais ou consigo mesmas. “É um dos principais sintomas apresentados pelos indivíduos que passam pela angústia em forma de ansiedade e/ou depressão que paralisam.”

Dessa forma, a profissional argumenta que os momentos de estagnação podem servir como forma de dar vazão a essa angústia — o vazio —  para que as potências individuais sejam (re)conhecidas. “A depender da demanda que meus pacientes trazem em terapia, meu trabalho é ajudá-los a compreender seus processos de forma ativa para que possam desenvolver e ocupar novos papéis em suas vidas.”

Bergmann destaca que, em parte das vezes, olhar para suas angústias e segurá-las — ou seja, não derramá-las como forma de alívio, mas sim como forma de ressignificação — traz um novo contorno para a subjetividade de cada um, mas também pode ajudar a direcioná-las de forma saudável.

O ato de circular e vivenciar a cidade também pode servir como estímulo do ócio criativo. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
Ato de circular e vivenciar a cidade também pode servir como estímulo do ócio criativo. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Exemplos de atividades na cidade que ajudam a potencializar a criatividade pelo ócio

Nesse sentido, entre as formas de alcançar o ócio criativo está o ato de permitir-se estar em contato com os espaços urbanos e ocupá-los de forma ativa: seja em uma caminhada ao ar livre em um parque, andar a pé ou de bicicleta pela cidade e conhecer novos lugares, sentar em um café nunca antes visitado, um passeio ao museu da cidade ou a um teatro, ou chamar amigos para um piquenique à beira da praia ou de um lago.

A especialista salienta que desenvolver novas experiências, em qualquer lugar que se esteja ou se deseja ir, é um momento de criação. “Quem sabe passa-se na frente de uma nova escola de dança e surge aquele desejo de aprender a dançar bolero, samba, salsa ou stiletto. Ou ir a um show ou a um concerto e relembrar que, quando adolescente, quis-se aprender a tocar violão, piano, violoncelo ou bateria. Até mesmo visitar feiras artesanais e perceber que se pode usar as próprias mãos para fazer arte”, exemplifica.

Além disso, estar com amigos à mesa de um bar pode permitir novas conexões e ideias. Ainda, recomenda ela, por que não apresentar seus talentos ao público? “Publicar as poesias que estão na gaveta, tocar violão em um luau entre amigos, fazer peças artesanais como forma de presentear familiares ao invés de comprar algo, criar coragem para formar uma banda de rock, apresentar uma peça de teatro, fazer a viagem dos sonhos para o exterior ou só visitar os amigos que há muito não se vê… As possibilidades são infinitas, assim como nossa potência.”

A psicóloga alerta, no entanto, que não se refere à ideia de que “tudo podemos ser e fazer”. “Muitas vezes, nós nos deparamos com a frustração de objetivos que são inalcançáveis, pelo menos por ora”, avalia ela, complementando que o ócio criativo permite que se entre em contato com o que é possível fazer hoje com os recursos internos que cada um carrega, para além daqueles de ordem financeira, ampliando sua qualidade de vida.

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