Símbolos de preconceito ou repressão em nomes de ruas e monumentos têm entrado na pauta de modificações de grandes cidades em todo o mundo
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O nome do Minhocão, no centro de São Paulo, é “Elevado Presidente João Goulart”. Mas antes de 2016, quando foi renomeado, a via inaugurada em 1971 se chamava Presidente Costa e Silva. O objetivo da Prefeitura e da Câmara Municipal com essa mudança foi exaltar um presidente democraticamente eleito e não o general que o depôs mediante um golpe.
Na mesma época, outras 40 vias da cidade tiveram seus nomes modificados. A ideia era a mesma: promover releituras da história em espaços públicos. O movimento de São Paulo não é único: ele se enquadra no conceito de “ressignificação urbana”, cada vez mais comum no mundo inteiro.
Além de mudanças em endereços, o que inclui escolas, praças e outros prédios públicos, o movimento compreende também a remoção de monumentos que simbolizem a repressão.
Nos Estados Unidos, por exemplo, um dos grandes focos das mudanças são escravocratas ou opositores da abolição que davam nomes a ruas e rodovias. Agora, elas homenageiam ícones da luta pelos direitos dos negros.
Há uma infinidade de exemplos: a Rodovia Harriet Tubman na Flórida; endereços com nome de Martin Luther King na Cidade do Kansas; e a Avenida Caffin (nome de um escravocrata) em Nova Orleans, que mudou para Avenida Fats Domino em homenagem a um importante músico negro.
O movimento também pode ser observado em outros países. Em Toronto, maior cidade do Canadá, várias vias e prédios públicos com o nome Henry Dundas, opositor da abolição, estão sendo modificados. Já em Roma, capital da Itália, nomes de cientistas que contribuíram para o fascismo foram removidos dos mapas em 2018.
O Minhocão é um caso singular, já que a via tem outro apelido mais forte do que o nome oficial, mas é fato que os nomes de rua se incorporam à linguagem dos moradores da cidade. Eles estão expostos nos comércios, são pronunciados toda vez que alguém passa um endereço e repetido cada vez que alguém usa um GPS para se locomover por aquela região.
Há um simbolismo forte nos nomes que a sociedade escolhe para os espaços públicos. Basta observar quantas ruas “XV de Novembro” ou “Sete de Setembro” existem pelo Brasil, de maneira que ninguém pode esquecer essas datas importantes para o País. Isso mostra o que a cidade quer destacar sobre a sua história.
Outro caso emblemático é o de Chicago, onde a principal via às margens do Lago Michigan será renomeada para Avenida Jean Baptiste Pointe DuSable, que foi um pioneiro negro essencial para a fundação da cidade, mas não havia nenhuma rua com o nome dele.
A administração de Chicago criou também um comitê para avaliar monumentos, questionando estátuas para fascistas e supremacistas brancos, representações equivocadas dos indígenas, visões unilaterais ou equivocadas da história (como glorificação excessiva de ex-presidentes) e pouco destaque para outros grupos — como mulheres e minorias raciais.
Nesse escopo, a cidade já planeja construir um memorial para lembrar os 100 homens negros vítimas de tortura por um policial racista. Também se debate a remoção de estátuas de figuras controversas, como o colonizador Cristóvão Colombo. Já no sul dos Estados Unidos, o foco são as estátuas de líderes confederados da Guerra Civil, que defendiam a escravidão.
Monumentos em homenagem a escravocratas também foram derrubados na Europa: a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos, foi derrubada e jogada no rio em Bristol (na Grã-Bretanha), enquanto uma obra retratando o rei belga Leopoldo II foi vandalizada em Antuérpia (Bélgica) e retirada pelas autoridades.
No Brasil, a estátua do bandeirante Borba Gato foi centro de uma polêmica, após ter sido incendiada por manifestantes em julho deste ano. Entidades indígenas já haviam expressado que o monumento era ofensivo — o bandeirante contribuiu para a escravização e morte de milhares de indígenas.
Entre a manutenção dos endereços ofensivos e sua total destruição, alguns grupos propõem outro caminho, que pode ser visto como um meio-termo: manter as estátuas e nomes de ruas, mas com explicações de por que a homenagem foi feita na época e o motivo de ela ser ofensiva. Essa abordagem foi adotada em lugares como Bordeaux, na França, que tinha ruas com nomes de traficantes de escravos que não foram mudadas — mas receberam placas explicando a história e homenageando a população negra.
Por fim, vale lembrar que o debate não é recente, e mudanças desse tipo já aconteceram várias vezes ao longo da história. Em Porto Alegre, por exemplo, a Praça do Império se tornou Praça XV após a Proclamação da República.
Florianópolis recebeu esse nome em 1894, para celebrar o segundo presidente do Brasil — um nome polêmico, já que Floriano Peixoto era um homem violento e que reprimia opositores, inclusive na cidade. Por isso, desde 2019, um movimento propõe a mudança para “Floripa”.
Fonte: Bloomberg, Governo de João Pessoa, Estadão.