Cidades brasileiras, como Fortaleza, já disponibilizam dados para melhorar a mobilidade urbana. Mas exemplo ainda é exceção
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O problema não está na ausência de dados sobre mobilidade urbana, mas no armazenamento e na análise deles para gerar informação de valor. Esse foi um dos pontos destacados pelos participantes do painel “Informação que transforma: data analytics para modernizar a conexão entre pessoas e cidades”.
O tema foi destaque na programação do Summit Mobilidade 2023, evento organizado pelo Estadão em parceria com patrocinadores e demais instituições. Os painéis foram transmitidos dia 31 de maio, gratuitamente e pela internet.
O gerenciamento de big data e o uso de tecnologias de data analytics para transformar dados em informação ainda é um desafio a ser superado no setor de mobilidade. André Turquetto, diretor-geral da Veloe, empresa de pagamentos e soluções em mobilidade, iniciou sua fala no painel abordando a dificuldade que a iniciativa privada e os governos têm em fazer a curadoria dos dados.
Entre os dados que são coletados diariamente estão desde o fluxo de praças de pedágio, que servem como intermediários para saber como ocorre a mobilidade nas estradas, até os meios de pagamento empregados pelos usuários. Também há os dados coletados no transporte público, entre outros.
Bilhetagem eletrônica, bolsões de tráfego, semáforos inteligentes, somado aos aplicativos usados nos smartphones dos usuários, são exemplos de fontes de dados que poderiam ser analisados para melhorar a mobilidade urbana. Inclui-se, ainda, os fatores que fazem com que não haja mobilidade e demais problemas sociais relacionados.
Para melhor usá-lo, é necessário entender o propósito do dado. “A mobilidade é fluída, no sentido de prover N usos, mas o problema da sociedade é chegar ao seu destino. E fazer isso com a menor fricção possível”, destaca Turquetto. E os dados podem ser analisados e usados para melhorar a gestão da mobilidade.
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De que forma é possível usar os dados para planejar a mobilidade? A questão foi levantada por Antonio Andrade, gerente de operações na Kido Dynamics, empresa suíça que gera informação sobre o comportamento de mobilidade da população.
Para o painelista, matrizes com informações sobre origem e destino das pessoas são um insumo fundamental para o planejamento da mobilidade urbana. Entender de onde os usuários saem, para onde vão e os horários de pico ajuda a compreender e identificar onde estão os gargalos a serem ajustados.
O problema é que parte das informações usadas no planejamento de mobilidade urbana são baseadas em dados de campo estatísticos coletados a cada dez anos, sendo que a mobilidade muda rapidamente. “A pandemia mostrou isso. A mobilidade é dinâmica. Queremos trazer inovação para essa parte de dados, que são pesquisas custosas e só trazem uma pequena amostra da população”, pontuou Andrade.
O especialista explicou que hoje é possível coletar dados passivamente por uso de celular. Um dos meios é o emprego da tecnologia Call Detail Record (CDR), sobre chamadas feitas dos usuários. “Esse dado ajuda a entender a mobilidade das pessoas, não o que elas fazem, mas o padrão de comportamento geral da população, identificando onde estão os gargalos de transporte”, explicou Andrade.
Parker Treacy, CEO e Cofundador da Cobli, que desenvolve tecnologia para gestão de frotas, indicou a necessidade de definir melhor o que se quer resolver. “É preciso gerar dados que trazem insights para a população, e como fazer uma operação melhor, definindo isso em métricas”, detalhou.
O especialista disse que, atualmente, é possível coletar dados consolidados de três fontes e tê-los de uma forma organizada e acessível:
A partir dessas bases, é possível empregar tecnologia de data analytics para sua avaliação. As organizações privadas, por exemplo, atuam para identificar as dores dos usuários. Ou seja, promover tecnologia para solucionar os pontos a serem resolvidos. Mas, sem defini-los, o uso de dados não é efetivo.
A empresa representada por Andrade, por exemplo, tem acesso a 60 milhões de linhas móveis, de uma operadora específica. Ele explica que os dados usados são anonimizados, seguindo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Depois, são processados para entender os rastros deixados pelos usuários. Assim, é possível fazer relatórios em 15 minutos com dados recentes da matriz origem-destino.
Turquetto acredita que é preciso haver uma cooperação maior para o acesso a dados a partir da iniciativa privada e do poder público, e vice-versa. Isso porque são diferentes, tanto na origem quanto no aspecto. E com diferentes níveis de privacidade.
Um desafio anterior que também precisa receber atenção nesse contexto é a modernização das políticas de mobilidade no Brasil, segundo a painelista Niege Chaves, vice-presidente do Grupo Mobibrasil, empresa de transporte público de passageiros. “Se fala em acesso a carro popular, quando se devia ter o ‘Bolsa Transporte’, porque há pessoas sem acesso a transporte público”, ressaltou.
Para Chaves, a análise e posterior uso de dados de qualidade pode reduzir significativamente custos do setor de transporte, aumentando ou reduzindo linhas, diminuindo o tempo de espera dos usuários, bem como discutindo políticas tarifárias mais inclusivas.
Atualmente, poucas capitais disponibilizam o acesso aos dados para que iniciativas públicas e privadas repensem a mobilidade. Fortaleza é um dos municípios que permite a consulta pública deles desde 2014. A medida facilitou, entre outros pontos, o monitoramento em tempo real dos ônibus, e o tempo de espera e de deslocamento no transporte público por parte dos passageiros.