Entenda os debates acerca dos termos “favela” e “comunidade”
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“Favela” é um termo com significado em disputa. A palavra surgiu para designar as construções irregulares e improvisadas no contexto da Guerra de Canudos (1896-1897), quando grupos de soldados improvisaram moradias em alguns locais, como no Morro da Favela, que tinha esse nome devido à abundância da planta Cnidoscolus quercifolius, chamada popularmente de “favela” por produzir sementes em forma de favo.
Os soldados que retornaram ao Rio de Janeiro ficaram sem o soldo e se instalaram novamente em construções improvisadas. Logo, o termo começou a ser utilizado para definir o tipo de moradia que já existia nos morros do Rio de Janeiro. Ao longo dos anos, a palavra “favela” e o uso de “favelado” para designar seus moradores foram ganhando uma série de significados pejorativos. O termo era, inclusive, uma estratégia para segregar as populações periféricas, como se morar na favela rebaixasse seus residentes.
Esse tópico é objeto de muitos estudos, como o dos pesquisadores Rafael Melo Pereira, Carolina Lescura de Carvalho Castro e Bernardo Lazary Cheibub, publicado na Revista Brasileira de Estudos do Lazer, que analisou a preferência de moradores, líderes comunitários e agentes de turismo do Morro de Santa Marta (RJ) em relação os termos “favela” e “comunidade”.
Muitos dos moradores disseram associar o termo “favela” a violência, tráfico de drogas, caos urbano e falta de respeito pelo espaço. Quem têm essa percepção costuma preferir que as regiões sejam designadas como comunidades, que dão a impressão de organização e camaradagem, algo que todos afirmam existir nesses locais.
O próprio governo do Rio de Janeiro parece ter adotado essa estratégia de “suprimir” o termo “favela”. Durante campanhas políticas nos anos 1990 e com a “pacificação” em alguns morros, termos como “bairros”, “comunidades” e “ex-favelas” foram utilizados para se referir às regiões em que o poder público conseguiu maior controle e criou melhor infraestrutura.
A impressão é que a mídia e o poder público promoveram o termo “comunidade” como forma de diminuir o estigma atrelado às favelas e de tornar os moradores mais integrados à cidade.
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Muitos moradores e líderes comunitários, porém, criticam a negação do termo “favela”. Para eles, mais importante do que tentar renomear as favelas é dar dignidade aos moradores e visibilidade para suas reivindicações.
André Fernandes, jornalista, fundador e diretor da Agência de Notícias das Favelas (ANF), escreveu sobre como as localidades que têm demandas atendidas pelo poder público não simplesmente deixam de ser favelas. Sua história e a história de vida dos moradores vão sempre estar atreladas às dificuldades que passaram por estarem historicamente à margem da sociedade, sem receber seus direitos como cidadãos. Tentar apagar a palavra “favela”, seria, portanto, uma tentativa de apagar as lutas e as conquistas de seus moradores.
Vale ressaltar que, em diversas pesquisas, o termo “comunidade” surge como eufemismo, uma tentativa dos próprios moradores de rejeitar ou diminuir as noções negativas que são historicamente colocadas nas favelas.
A discussão é complexa e envolve mais do que definir o termo “correto”. Infelizmente, as favelas, além de todos os problemas de estrutura urbana e de acesso a serviços públicos, precisam enfrentar o preconceito e o estigma. Os moradores precisam ser reconhecidos como cidadãos que têm mais dificuldade em realizar as tarefas da vida cotidiana pelo descaso do poder público e pelas heranças históricas.
Fonte: Revistas UFRJ, Periódicos UFMG, PUC RIO, ANF, Circulando Aqui, Wiki Favelas, Rio Watch.