Entenda por que é importante para grandes cidades ter políticas específicas sobre o número de vagas de garagem disponíveis
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Uma das primeiras coisas que vem à cabeça de quem vai comprar um apartamento é a disponibilidade de vaga de garagem. Para muitas pessoas, esse item é essencial, mas você sabia que essa também é uma preocupação de especialistas em mobilidade urbana?
O número de vagas de garagem é um indicativo do tipo de modal que planejadores urbanos priorizam. O alto número de vagas e estacionamentos em áreas de grande interesse e circulação de pessoas é um incentivo para que haja deslocamento com veículo particular. A situação é ainda pior em relação às vagas de estacionamento em locais públicos. Nesses casos, um espaço público que poderia ter diversos usos coletivos é destinado ao uso privado.
Algumas áreas das cidades são fundamentais para o planejamento, como aquelas que contêm infraestrutura para transporte público, por exemplo, terminais e corredores de ônibus, proximidades a estações de metrô ou trem e similares. O cálculo é simples: menos vagas nessas regiões diminuem o interesse de moradores em manter carros e incentivam o uso do transporte público.
Essas áreas também costumam ser regiões de grande adensamento populacional, em que a alta concentração de veículos gera mais engarrafamento, poluição e dificuldade no fluxo urbano.
A tendência mundial é evitar a construção de edifícios e condomínios perto desses locais com infraestrutura de transporte público. Singapura, por exemplo, inclui a garagem na área computável, encarecendo o preço das obras para construtoras e gerando mais edifícios sem vagas, o que promove o adensamento urbano com o uso de transporte coletivo.
Um exemplo oposto é Curitiba (PR). A cidade ficou famosa pelo sistema de transporte coletivo com o ônibus de trânsito rápido (BRT), em que corredores de ônibus, estações-tubos e terminais com integração de linhas se multiplicaram. Essas áreas foram valorizadas pela alta oferta de serviços, então o preço dos imóveis disparou.
Sem que houvesse restrição ao número de vagas em garagem, famílias com renda maior se mudaram para imóveis de alto padrão. Assim, atualmente, nessas áreas há imóveis com mais vagas do que imóveis em áreas não servidas pelo BRT. Essas pessoas acabam não utilizando o transporte coletivo e dificultam a mobilidade urbana. Curitiba é a capital com maior taxa de motorização no País.
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Por muitos anos, São Paulo (SP) “premiou” obras de imóveis com mais vagas de garagem ao oferecer isenção de impostos para áreas cobertas de estacionamento. Mesmo em regiões consideradas por geradores de tráfego como próximas ao transporte público, as leis municipais incentivavam a construção de garagens. O Plano Diretor de 2002 da cidade chegou a exigir um número mínimo de vagas em determinadas construções.
A lógica se inverteu em 2014. Com a grande crise de engarrafamentos, gestores se aproximaram das soluções mais modernas do mundo da mobilidade urbana e procuraram medidas para desestimular o uso de carros. Soluções como incentivar o transporte público e outros modais, a exemplo de caminhada, patinete e bicicleta, entraram em pauta.
Com isso, entre 2014 e 2016, foram colocados em vigor o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei n. 16.402/2016). Isso determinou limites máximos de vagas que seriam incentivadas e uma série de limitações para a construção de novas.
Até 2019, segundo dados do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP), houve redução de quase 41% na oferta de novas vagas, porém as imobiliárias encontraram uma brecha para poder continuar ofertando vagas. A construção de imóveis pequenos, como estúdios, com menos de 35 metros quadrados em condomínios com apartamentos maiores, permitia a oferta de vagas.
Com isso, foi observado aumento de ofertas em apartamentos menores. Recentemente, após a pandemia de covid-19, a demanda por esse tipo de imóvel caiu drasticamente, e o setor enfrenta dificuldades para regular os preços. No início de 2023, a prefeitura abriu uma consulta pública para revisar o Plano Diretor Estratégico (PDE), e muitos setores da sociedade fazem pressão para a liberação do aumento de vagas.
A dependência de um modal é um dos principais gargalos para uma mobilidade urbana eficiente. Cidades “saudáveis” precisam ter boa oferta de diferentes opções para cidadãos se deslocarem, e isso passa por investimento na infraestrutura de muitos modais. A insistência no deslocamento em veículo particular já mostrou muitos efeitos nocivos para São Paulo e todas as metrópoles que continuam apostando na expansão dos sistemas rodoviários como solução. Combater o uso excessivo de carros é fundamental para a mobilidade urbana, mas também para o futuro do planeta, porém isso não será possível sem planejamentos abrangentes que coloquem as pessoas como protagonistas das cidades.
Fonte: USP – Labcidade, Caos Planejado, ArchDaily, Caos Planejado, Prefeitura de SP
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