Por que políticas bike friendly podem ser falhas para a inclusão?

22 de setembro de 2020 5 mins. de leitura

Não basta que as cidades criem políticas amigáveis a quem pedala: é necessário olhar para a inclusão de todos os segmentos

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Na maior parte das vezes, quem opta pela mobilidade ativa precisa se atentar aos carros e se adaptar ao fluxo deles. Basta ver o tamanho das vias em relação a calçadas precárias e a ciclovias inexistentes na maior parte das cidades.

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Em alguns casos excepcionais, são os carros que se adaptam aos pedestres e ciclistas, e o modelo holandês de rotatória é um exemplo disso. Implantado em diversos locais do país, ele chama a atenção por priorizar as bikes nos cruzamentos mais perigosos. 

Porém, a implementação do mesmo modelo de rotatórias na Inglaterra abriu uma reflexão importante quanto a outros limites, pois pessoas com deficiência tiveram dificuldade em lidar com esse novo layout. Conheça esse e outros exemplos que desafiam a democratização do espaço urbano e tornam complexas as decisões dos gestores da área de mobilidade.

Para todos

Vista de cima de uma rotatória e vias de acesso
A rotatória holandesa permite aos ciclistas ter preferência nos cruzamentos, mas não considera outros impactos. (Fonte: Shutterstock)

Soluções em mobilidade urbana estão entre os principais desafios colocados à sociedade neste século, e as bicicletas respondem por boa parte das alternativas do ponto de vista da saúde, da economia e do meio ambiente.

Mas se engana quem acredita que basta trocar o carro pela bicicleta como modal principal. É necessário estabelecer uma nova forma de se relacionar com o espaço público e torná-lo inclusivo às pessoas que costumam ser invisibilizadas. A rotatória holandesa implementada na Inglaterra é um exemplo disso. 

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Segundo críticas feitas por pessoas com deficiência, esse modelo de rotatória apresenta um problema sério aos deficientes visuais: diferentemente dos carros, cujo ruído é de fácil percepção, as rotatórias que priorizam o trânsito livre às bicicletas podem provocar acidentes, uma vez que essas pessoas não percebem as bikes se aproximando.

Esse é apenas um entre tantos exemplos de como modais mais sustentáveis precisam ser pensados para todos. Outros desafios para as pessoas com deficiência visual são as bikes e os patinetes compartilhados, deixados ao longo das calçadas, bem como os pontos de ônibus cujo entorno é circundado por ciclovias, pois ao desembarcar dos ônibus elas desejam acessar a calçada, mas precisam atravessar essa via para isso, o que pode causar acidentes.

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Mais um exemplo é a construção de ciclovias em ruas estreitas. Como ainda há muita resistência em deixar que os carros “paguem a conta” da inclusão, algumas cidades optam por deixar as calçadas mais estreitas, em vez da via. Isso afeta o deslocamento de pessoas cegas, idosos e cadeirantes, que passam a disputar espaço com outros pedestres e bicicletas.

Por isso, especialistas defendem que são necessárias algumas medidas na hora da tomada de decisão sobre o assunto. É preciso ter coragem de “tocar na ferida”, ou seja, tirar espaço dos carros; pensar em redução de danos; optar pelas saídas de melhor relação custo-benefício; e entender que é o ambiente que limita as pessoas, não suas deficiências, uma vez que há saídas técnicas aos limites de mobilidade na condição de cada grupo.

Planejamento

Rua com ciclofaixa, ponto de ônibus e pedestres
Pontos de ônibus cercados por ciclovias podem fazer com que pessoas com deficiência visual precisem atravessar um tráfego ao descer do veículo. (Fonte: Shutterstock)

O fato de a população inglesa ter levantado limites sobre o modelo de cruzamento holandês revela ao menos duas questões importantes: os modelos que respondem pelas necessidades de um local não servem a outro automaticamente, demonstrando que as tecnologias não são neutras; e as políticas bike friendly precisam ser bem estruturadas a fim de que fomentem uma mobilidade eficaz e para todos.

Isso torna o desafio de adaptar a estrutura urbana mais difícil. Na maior parte dos casos, as ruas não são atrativas a quem tem deficiência e apresenta restrições de mobilidade. Guias não rebaixadas e calçadas irregulares são um problema para cadeirantes; semáforos sem adaptação sonora, bueiros e placas mal-posicionadas podem ser um limitador para quem não enxerga.

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A invisibilidade que esse segmento da população enfrenta faz com que o planejamento do espaço urbano muitas vezes não leve em conta demandas importantes que são caras a esses grupos. Apenas recentemente a estrutura urbana considera tais necessidades, uma vez que historicamente pessoas com deficiência ficaram restritas à esfera privada.

Além disso, há o fato de que as deficiências colocam limitações muito diversas entre si às pessoas. E, como se trata de um aspecto que apenas recentemente ganhou atenção por parte de urbanistas, o período atual ainda é de aprendizado. 

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Desse ponto de vista, cabe pensar em uma série de transformações que não se limitam às pessoas com deficiência, mas a outros também. Os idosos são um exemplo: as cidades, mesmo quando planejadas, foram pensadas para uma população com baixa expectativa de vida em relação aos índices atuais. Por isso, mesmo pessoas sem deficiência ou doentes demandam ou demandarão uma cidade que lhes permita acessar o espaço público com qualidade e segurança.

Fonte: The Telegraph, Bloomberg, Vá de Bike

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