31 de outubro é marcado pelo Dia Mundial das Cidades, data importante para refletirmos sobre a democratização desses espaços
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É normal associarmos as metrópoles a quilômetros de concreto, trânsito e poluição, mas em meio a tudo isso, estão as principais figuras das cidades: as pessoas. Perante o desenvolvimento urbano frenético, é fácil se esquecer de avaliar a qualidade de vida da população, bem como pensar em formas efetivas do poder público e da iniciativa privada agirem no avanço da construção de cidades mais humanas e democráticas.
Estima-se que em 1950, 30% da população mundial vivia em áreas urbanas. Em 2014, esse número chegou a 54%, e existe a projeção de que, em 2050, 66% de todo o planeta viverá em grandes cidades.
Esses aglomerados causam uma série de problemas, já que concentram a maior parte da geração de resíduos, poluição e desperdício de recursos. Porém, as cidades são vivas e intensas, e os moradores constroem, significam a própria vida e têm a capacidade de criar soluções para os problemas que surgem no decorrer das décadas.
Após o período de maior desenvolvimento das cidades, a partir da metade do século 21, as preocupações em criar cidades mais humanas finalmente ganham centralidade no debate da mobilidade urbana.
O avanço da tecnologia, que levou a possibilidade de trabalhar remotamente, e a crise mundial provocada pela pandemia de covid-19, que forçou essa modalidade a ser implantada mais rapidamente, fez muita gente perceber que as cidades realmente precisam mudar em alguns aspectos.
O que significa “criar cidades mais humanas”? O artigo Cidades mais humanas e a percepção da identidade local, dos pesquisadores Luiza Ferreira de Macedo e Júlio Carlos de Souza van der Linden, publicado no livro Design em pesquisa, tem algumas reflexões sobre o tema.
Grandes teóricos do urbanismo apontam para algumas direções na humanização das cidades. Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês e um dos protagonistas dos debates das cidades voltadas para pessoas, afirma que uma cidade ideal deveria permitir e convidar as pessoas a ocupar e permanecer nos espaços públicos. Além disso, a infraestrutura deve ser suficientemente coesa para ser capaz de atrair ações coletivas, além de aumentar as atividades e a sensação de segurança no espaço urbano.
O urbanista Carlos Leite, doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade Politécnica da Califórnia, cita a possibilidade de as cidades se reciclarem e oferecerem soluções estratégicas para que as pessoas possam viver, trabalhar e se divertir em um mesmo local, com metas a serem buscadas.
A jornalista americana Jane Jacobs, uma das pioneiras dos debates sobre ocupação das cidades, já na década de 1960 ressaltava os problemas de segurança que grandes espaços desocupados geram e, em consequência, a importância das comunidades ocuparem as ruas.
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Ocupar a cidade parece uma solução fácil, mas não é. O desenvolvimento das cidades dentro de uma lógica capitalista, onde o espaço precisa gerar lucro, faz que diversos fenômenos ocorram em todas as grandes cidades, como a gentrificação e a migração pendular. Assim, é normal que as populações mais pobres ocupem áreas periféricas e precisem realizar longos deslocamentos para alcançar os polos, onde estão localizados os empregos.
A aposta comum das cidades de investir preferencialmente na infraestrutura para a circulação de carros também se demonstrou um complicador para a democratização das cidades.
Cada vez menos pessoas têm acesso aos carros, que estão virando veículos voltados às classes mais ricas, e muitas ruas e estradas se tornam espaços subutilizados. Enquanto isso, transportes públicos estão cada vez mais sucateados, principalmente quando falamos de países em desenvolvimento. Cidades que se mostram exemplo em mobilidade urbana apostam na diversificação de modais de transporte e também no investimento de infraestrutura para a mobilidade ativa.
Em entrevista ao Summit Mobilidade Estadão, Marlos Hardt, doutor em Gestão Urbana e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), comentou algumas das soluções para a humanização das cidades.
Existem medidas que podem descentralizar as metrópoles, ou seja, criar centros onde existam empregos, serviços, lazer e cultura, permitindo, assim, que grandes parcelas da população possam usufruir deles sem precisar se deslocar por horas.
A coordenação entre os municípios e a iniciativa privada poderiam gerar esses locais por meio de incentivos e isenção de impostos para a alocação de indústrias, empresas, comércio, centros educacionais e culturais em pontos periféricos estratégicos.
Outra medida pode ser trazer as pessoas novamente para os centros. Boa parte dos centros históricos de grandes cidades se tornaram pontos comerciais e empresariais que acabaram ficando vazios à noite, gerando insegurança.
Nesse sentido, medidas como o aluguel social e a aplicação de IPTU progressivo e IPTU social podem fazer que imóveis abandonados voltem a cumprir o seu papel social, o que é, inclusive, de interesse da iniciativa privada, pois valoriza as regiões ocupadas.
Os investimentos em transporte público também são fundamentais para a humanização das cidades, é preciso fazer com que as pessoas sejam protagonistas nas metrópoles e, para isso, é preciso haver a democratização do acesso a diferentes espaços.
Soluções para a mobilidade ativa em pequenos pontos da cidade podem ajudar a desafogar o trânsito. Porém, qualquer plano para salvar as cidades a longo prazo precisa levar em conta as dinâmicas sociais. Sanar esses problemas só é possível com soluções de mobilidade para as parcelas da população que mais precisam.
Além de dar dignidade e melhorar a qualidade de vida dos grupos mais invisibilizados pelo poder público, trazer essas pessoas para o protagonismo das cidades também é uma estratégia de marketing urbano.
O City Branding já é uma estratégia utilizada por várias cidades para utilizar manifestações culturais de grupos tradicionais e funcionamentos específicos daquela localidade como um modo de atrair turismo e investimentos.
Como vimos, uma divisão dura entre a humanidade e a economia já se mostra um conceito ultrapassado. Se as cidades quiserem continuar no processo de desenvolvimento, é preciso que elas se reinventem e coloquem as pessoas no centro do debate.
Com isso, não contemplando apenas as pessoas mais privilegiadas, que vivem em áreas nobres, mas focando a multiplicidade e a diversidade que dão vida às características de cada localidade.
Fonte: UFRGS, Smartcities, Mobilize, WRI Brasil, Unicamp