Entenda o que são as políticas públicas habitacionais e como elas influenciam as cidades
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A Constituição brasileira de 1988 garante o acesso à moradia digna para todos os cidadãos, mas basta uma volta por qualquer cidade do País (principalmente as grandes metrópoles) para perceber que esse direito não ocorre na realidade. E, mesmo com inúmeras pessoas sem acesso à habitação, as políticas públicas da área são insuficientes.
Confira mais do assunto e veja como as políticas de moradia produzem efeitos nas cidades, a começar pelo Brasil.
Até o início do século 20, o acesso à moradia no Brasil era bastante precarizado, e boa parte da população estava sujeita a procurar refúgio em cortiços e favelas. Quase nada mudou até a década de 1930, e as poucas ações habitacionais tinham um caráter higienista, removendo aglomerados habitacionais dos centros com a justificativa de embelezamento e ordenamento das cidades.
Em 1937, surgiu uma solução que talvez tenha sido o “germe” das políticas habitacionais até hoje no Brasil: as carteiras habitacionais ligadas a fundos de pensão. A estrutura surgiu com os Institutos de Aposentadorias e Pensões (Iaps), que construía e financiava moradias populares principalmente em grandes prédios e condomínios populares.
Esses financiamentos eram restritos a algumas categorias profissionais do mercado formal, o que na prática representava uma pequena parcela da população, mas a iniciativa foi importante ao abrir espaço para a construção de moradias.
Durante as décadas seguintes, pouco se avançou na democratização do acesso à moradia. Pode-se dizer que o movimento era oposto, já que políticas de remoções de favelas de grandes centros urbanos continuavam.
Em 1964, durante a Ditadura Militar, foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), uma das primeiras iniciativas para massificar a construção de habitações. Durante décadas o seu modo de atuação foi único: a construção de unidades habitacionais em periferias que eram vendidas por meio de financiamento.
Embora o desejo fosse atender a população mais pobre, eram justamente os mais vulneráveis que ficavam excluídos, já que não reuniam condições de renda para se aplicar aos financiamentos.
Entre as décadas de 1960 e 1980, o Brasil vivenciou o maior período de êxodo rural e de migrações já visto. Com o empobrecimento típico do período somado à rápida industrialização e à mecanização do campo (que era concentrado nas mãos de poucos latifundiários), grandes efetivos da população se dirigiam às maiores cidades em busca de emprego.
As escassas moradias e a infraestrutura urbana sem investimentos não deram conta de absorver esse contingente populacional, que, mais uma vez, encheu as favelas e outras ocupações irregulares. As políticas do BNH, apesar de terem sido massificadas, não atingiam o público que mais necessitava delas. E, em 1986, o Banco Nacional da Habitação foi extinto.
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Entre 1980 e 1990, muitos governos e municípios criaram políticas de urbanização e regularização de favelas e outros loteamentos. A ideia era tentar melhorar as condições de moradia da população em vez de excluí-las novamente, sobretudo porque a Constituição Federal de 1988 garantiu, no art. 6º, o direito ao acesso à moradia digna.
Em 2000, a “Emenda Constitucional nº 26” definiu percentuais mínimos para serem aplicados em moradias e na Saúde no período de 2000 a 2004, então só assim ocorreu o aumento nos investimentos em habitação.
Outra importante ação do período foi a criação do Estatuto da Cidade, que regulamentou o uso social da propriedade. Em 2003, já no primeiro governo de Lula, foi criado o Ministério das Cidades, e políticas de regulação e de financiamento de moradias populares avançaram.
Em 2009, foi criado o programa Minha Casa Minha Vida, que financiava ou subsidiava moradias para diferentes faixas de renda, a fonte do financiamento vinha do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A criação do Programa de Aceleração do Crescimento Urbanização (PAC Urbanização) ajudou o programa a decolar e incentivou o “boom” da construção civil no País.
Em 2019, o Ministério das Cidades foi fechado, e o Programa Minha Casa Minha Vida foi substituído pelo Casa Verde e Amarela, do governo do presidente Jair Bolsonaro. Em 2022, a dotação orçamentária do programa foi de R$ 665,1 milhões, quantia considerada insuficiente para a manutenção das obras. Devido ao furo do teto de gastos, o governo enviou a proposta de orçamento de 2023 com uma redução de 95% das verbas do programa, o que o inviabiliza. Confrontado, o governo reconheceu os cortes, mas afirmou que o programa recebe verbas de outras fontes também.
Em um levantamento realizado sobre as políticas de habitação do Brasil, a Fundação João Pinheiro concluiu que, para sanar a falta de moradia de pessoas e famílias no País, seriam necessários construir quase 6 milhões de casas.
O número assusta, e tudo indica que seja ainda maior após os anos de pandemia de covid-19 e de crise econômica recentes. O modelo de facilidades no parcelamento, financiado com recursos do FGTS, mostra sinais de cansaço e incapacidade de resolver os problemas habitacionais do País.
As políticas públicas habitacionais também pecaram por muitas vezes isolar a população mais pobre em condomínios distantes dos grandes centros. Isso obriga as pessoas a realizar longos deslocamentos para chegar aos trabalhos, à escola ou à faculdade. Esse movimento, conhecido como migração pendular, gerou uma série de crises de mobilidade urbana e diminuiu o tempo e a qualidade de vida da população.
Novas discussões sobre as políticas habitacionais precisam considerar o acesso e a democratização das cidades. Mecanismos que garantem a função social da moradia, garantida na Constituição, podem ser criados e geram uma série de benefícios não só para quem teria acesso à habitação digna, mas para toda a cidade que não sofrerá com a gentrificação e a insegurança causada por imóveis vazios.
Fonte: Gov.br, CNS, POLÍTICAS HABITACIONAIS NO BRASIL: AS MORADIAS POPULARES E A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL URBANA. Nunes, Luciana Meira dos Santos; Mendes, Estevane de Paula Pontes, Fundação João Pinheiro